Minhas rugas e eu

Estava encarando o espelho ainda agora, conversando com minhas rugas.

É, algumas estão mais profundas e salientes. Outras pequenas e dissimuladas.

Enxerguei a cicatriz na tempora direita, queda com mais ou menos 3 anos da escada do quintal. Lembro de um lugar branco, com algodão e muito sangue. Não fui para o céu pequena porque de certo nao servia para anjinho.

Vi o sinal azul da ponta da tesoura no olho esquerdo, não sei como não vazei o olho durante a brincadeira de criança, com mais ou menos uns 10.

O sinal da catapora aos 13 também está registrado no canto perto da orelha.

Todo mapeado o meu rosto, pela alegria, pela tristeza, pela ansiedade, pelas belezas e pelas caretas que ainda faço.

Minha prima Lica me chamava de careteira. Ria e mandava eu repetir a careta que inconsciente eu fazia. Lá se foram bons trinta anos desta história.

Eu achava que com 30 anos a pessoa era velha. Sofri aos 28, só melhorei quando ampliei a idade para 40.

Aos 38 nova crise... para encurtar a história estou achando mesmo que a gente começa a viver aos 60.

Logo após os meus 30 fui a dermatologista para começar a tratar da pele.

Bonitona a dona, não tinha uma ruga. Me disse após examinar meu rosto que eu já tinha marcas de expressão. Um vinco na testa sinalizava que eu sempre fazia cara de braba ou de preocupação. Era verdade.

Naquela época o botox devia ser para poucas, talvez nem tivesse chegado ao Brasil.

Veredito: limpeza, tônico, adstringente, hidratação, parar de fazer caretas.

A pessoa me disse que eu só podia piscar e mexer a boca... o resto era para congelar.

Hã?!? É: con-ge-lar. Disse que era para treinar no espelho que era dificil mas possível.

Devia ser mesmo, observei que ela era congelada.

Achei estranho mas me propuz a tentar.

Confesso também que tentei e desisti rapidinho.

Depois de cada palavra que eu tentava falar com a musculatura congelada eu dava uma gargalhada e fazia umas dez caretas bem esculachadas repetindo a mesma palavra.

Como a cara começou a doer percebi que a coisa ia ficar feia e o feitiço ia cair contra o feiticeiro.

Não voltei mais na dermato não. Resultado: as belas rugas, pés de galinha e outras cositas marcadas no rosto.

Não me arrependo não, não sou de plástico, ué.

Quem me conhece sabe que meu nome é careta.

To feliz, me acabo na gargalhada.

To triste, choro que é uma beleza.

To com raiva, o senho fecha.

To com duvida, franzo a testa.

Emburrada, olha o tamanho do bico.

E por ai vai.

A qualquer hora, em qualquer lugar, olha pra minha cara que você vê a emoção do momento. Esse negócio de cara de paisagem não tinha na minha escola não.

As vezes é uma merda isso mas no frigir dos ovos é bom, você pode confiar na careta, se a boca mentir a careta diz a verdade. Fazer o quê?

Eu e minhas rugas andamos juntas há muito tempo. Elas sao a parte mais verdadeira de mim e não tem botox que me inspire.

Falta um tanto para a crise dos 58, ate lá posso mudar de idéia, quem sabe. Por agora vamos dormir com a cara no travesseiro para definir outras linhas do bem vive, afinal a vida é curta e o mundo é pequeno.

Escrito no final de dezembro, depois do trabalho, após muitas caras, bocas e caretas.

Lúcia Siqueira Dez.2014

Baronesa
Enviado por Baronesa em 09/01/2015
Reeditado em 09/01/2015
Código do texto: T5096592
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