Janela

O arabesco de gente pela tarde (quase noite) da janela, quase um perímetro percorrido pelos olhos de Ananias. Milhões de Marias desbocavam passos líquidos na calçada esparramada na baía da Praia do "sei lá o quê". Por que este nome? Dizem que os insanos que moram perto do local não deram um suficiente

para os acontecimentos do litoral. Quem dirá à praia... O que não se atinam: a janela de Ananias não rubrica outro nome a não ser o de Carlota.

Digo que é boa gente, singularíssima pessoa. Não a conheço, somente Ananias.

Pobre Anêmico, fermentava em vida quando colocava o busto à janela esperando a boa vontade da mulher. Disse-me uma vez ao ler "Ma Bohéme", emprestado por Rimbaud, que Carlota era a chave de ouro de uma procrastinação.

Veja que Ananias não regurgita o símbolo que é uma mulher quando se trata de amor platonizado, e não o culpo. Não o chamo aqui porque não viria. Se viesse, sustentaria o pouco sorriso no rosto para a parte em que conta que vive uma distimia purificada pela mulher virginal dos belos poemas ultrarromanticos (isto dito por ele).

Frases longas, não quero meter o gado de Ananias em suas gargantas, porém Ananias-hipérbole me elimina

de esboçar qualquer vontade. Ora, falo de Ananias (e o repito) como

interlocutor de um monólogo vermiforme, coitado pobre, eloquente à janela. Chamava a fronte para ver tamanha exatidão que ocorria da moldura para fora. A fronte travou. Dizia-se irmã do maltrapilho, e apenas isso dizia: Sua face.

-Olha, não me dê este desgosto. O que é exato demais prepara a morte-

Pontilhava o ar sem propósito e irreverência, estremeceu rouco a ponto de auscultar o artigo da origem que lera na partícula anterior do dia.

-Não deixe passar este compasso-

Ananias é relativo. Se mais rápido pensa, mais pesado fica.

Se mais rápido olha, menos tempo se passa para ele.

Disse que gostava de esconder harmônicos que ouvia das mulheres,

uma coleção dissonante de acordos de namorico, papeladas do serviço-fátuo, erupções incansáveis de uma sensatez que somente ouvia de uma fêmea. Ananias olha e não cruza algum horizonte eventual onde a janela não seria permitida.

Espera esta cachaça, esta maldita cachaça cheirosa, de um cheiro de Carlota. A calçada manifesta um soluço, como quem prepara a malha-tegumento do observado: chegava alguém no meio do povo embebido na praia indefinida.

Há que mudar o deslocamento de membranas, universos-bolha e bexigas bidimensionais. Ananias, sentado agora, repetia a conclusão da "planaridade" do universo, um trago de densidade que vai dispersando ele e o resto da integridade da existência para um

processo expansivo eterno (será?). Não tinha vocação, profissão ou entendimento do que há janela á fora. Era Carlota um Higgs e ele o neutrino decaído de algum útero radioativo, tentando obter massa pós-janela.

é Fortaleza! Região metropolitana empolgada.

"Rapaz, deixe de queixo, ô caba véi besta!"

A vida aqui é quente; Mar imenso, maresia compacta, conurbação da carne.

Ananias grita para dentro, congelado.

Heitor de Lima
Enviado por Heitor de Lima em 07/01/2015
Reeditado em 07/01/2015
Código do texto: T5093346
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.