O Verde

Abstenho-me de passear nesta praça. Caminhada indecente num domingo secreto. Tudo está em seu lugar.

Não importa a estrutura verde-azul, imensa estrutura pulverizada de pequenas vidas onde existe uma tendência quase Muriliana de maquinar dois ciclos gastos: Calma e caos.

Brincavam no ar duas mosquinhas desconexas. No ar estavam muitas coisas: uns parcos colibris de um passeio veloz, o odor desesperado do escudo vegetal que me convida a desenrolar sua genética,

gentes e gentes modelando o chão que me segrega do senso cotidiano dos que preferem transpirar junto às lâminas do bosque.

O dia descola da paisagem. Não queria estar na pressa. Faria o que além de andar imutável? As crianças se dispersam junto ao contorno da madeira. Umas sobem heroicas até o ponto mais alto

da mais alta árvore que, para eles, é a mais alta do mundo inteiro. Crianças. Não há pouca sorte nesta idade, não há quem reclame, salvo os desafortunados de logo cedo, da beleza que é sentir-se

desacoplado da instabilidade adulta.

- Meu bem, tome cuidado! - Ponderava a voz materna - Não vá cair daí de cima.

O rebento estava no ponto mais alto da mais alta árvore que, para a mãe, era a mais alta do mundo inteiro.

Não só quando se vestem de primata. Digo pro resto da vida. Filho é um presente que não desgasta aos olhos de uma mãe sensível.

Sou o único que não veste o corpo da praça. Vago apenas, de um

desconforto camarada, de um gosto de celulose que roubei da infância. Um velho escondia a cara por trás de um jornal. Única figura de cinza e preto presente. Recheava o local com mais um grosso ritmo.

Percebi rapidamente que dormia, quase como se estivesse fora da praça. Não como eu, visualmente distante, mas de um desprendimento da idade. Ah, soninho bom!

A noite prometia descer em poucos minutos.

- A noite não brinca, vamos descendo daí que é hora de casa! - Ponderava novamente a mãe, desta vez com um tom meio baço.

Aqui não se pode falar demasiado alto, há gente muito ligada com as palavras, gente de um acabamento triste. Falo desta que chegava aos berros do canto mais obscuro do período vespertino.

- Hoje não! Hoje não anoitece! - retrucou a moça que aparentemente implodia - desligarei as estrelas, rasgarei qualquer véu escuro

que me roubar dos olhos alguma luz! Hoje não há ponto final que reduza o dia a destruição!

Perguntei-me se a cabeça estava boa. Coitada desta pobre, parecia-me tão polida, tão nova na juventude.

Hoje em dia nada menos se pode esperar da cachola destes casulos hormonais.

Tento uma corrida? Não, não. Deixo o ladrilho respirar neste passo curto, constante e numérico. Quem anda mesmo é o chão, não meus pés.

A noite baixou.

Junto dela um casal de meia idade que deslizava uma conversa aparentemente sólida. Percorri os olhos férreos da mulher, esta se permitia truculenta, não dava muitas brechas para uma réplica do companheiro.

Questionei-me como num corte.

-Quando que essa gente para? Para mesmo. Desliga...

-Quando um causo de fora reconhece um causo de dentro - respondeu o velho despertado.

A pobre moça que há pouco gritava, tecia os mesmos berros imponentes, desferindo golpes no vento, indo embora da praça.

-Será que bate bem? - Perguntei ao velho

Ele riu.

-Chamar atenção ? Ah, doutor! Isso é coisa de quem não tem mesmo o que fazer!

Noite estrelada, já pintava Van Gogh. Hora boa dos mamíferos mais fracos recolherem-se.

- Mãe, mãe, mãe! - exclamavam os rebentos - quem tanto grita aí em baixo ?

- A noite, meus filhos - repeliu a mãe - Vamos para casa.

Heitor de Lima
Enviado por Heitor de Lima em 05/01/2015
Reeditado em 15/01/2015
Código do texto: T5091593
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