CITADINA

Estamos no sexto andar. Verão. Plenilúnio de janeiro. Noite alta. Redes de proteção nas janelas. Quatro gatos curiosos, olhos fixos no largo jardim e na rua confronte, como quem estivesse numa ilha marítima isolada. Acho que mais que a rede – para eles – eu sou o mar bravio que dificulta o primeiro passo. Afinal, as águas deste são tão tempestuosas como a palavra que salta em cachoeiras dentro de mim. Porém, enigmáticas, as pupilas nos irmanam. Para além das órbitas, delineiam-se a liberdade e o medo. Enfim, para aquém do universo dos signos, dos registros, somos quatro náufragos do asfalto. Negro e temeroso rio das vontades insatisfeitas. Para bichos e homens.

– Do livro A BABA DAS VIVÊNCIAS, 2015.

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