Me dê motivos (para gostar de você, Roberto Carlos!) - Crônica de reminiscências
Desde criança eu não suporto Roberto Carlos. Parte desta minha antipatia deve-se a minha mãe, que o detesta sem motivo algum. Crescida, juntei argumentos para além das aparências e conclui que seu talento não me convencia e, além do mais, tê-lo em plena época de Natal já me era motivo mais que justo para desgostá-lo.
Na vitrola da minha infância, a Cremilda arrastava o pé, a Maria Alcina me fazia rir com seu “calor na bacurinha” e a Clara Nunes, confesso, me assustava e enfeitiçava a um tempo só.
Meu pai, em horas de folga da vitrolinha deitava seus vinis de fado e seu pensamento o levava de volta à Ilha da Madeira. Da casa da minha irmã mais velha, a “sofrência” saía das violas dos cantores sertanejos pelas ondas do rádio, invadiam meu peito e me faziam chorar. Já meu irmão mais velho ouvia Titãs no seu quarto e me irritava com o verso: "ô, Cride, fala pra mãe que tudo que a antena captar meu coração captura.” Explico o motivo da irritação: Cride era o nome do pai da vizinha, a Lilian e toda vez que ele me "chamava" de Cride era como se eu envelhecesse anos e anos, como o vizinho e eu nao queria ser velha como o Senhor Euclides, embora eu gostasse muito dele.
Mas o que me energizava era viajar ao lado dos meus sobrinhos (quase irmãos), no banco de trás da velha Variant vermelha do meu falecido cunhado (quase um segundo-pai) ao som de “tomo guaraná, suco de caju, goiabada para sobremesa”. Tudo à capela.
Meu cunhado tinha um quê de Tim Maia: às vezes era muito doce; outras, o oposto disto. Lembro-me dele cantando “Me dê motivos” com voz forçadamente grave nos karaokês.
Lembro-me que eu não entendia o verso “Do Leme ao Pontal” e berrava “dureme tontal”. Lembro-me que quando assisti ao filme do Tim Maia eu chorei de saudade deste tempo de muita inocência e que há treze anos meu cunhado (quase um segundo-pai) não está mais entre nós.
Tive raiva da versão da Globo para o filme do Tim Maia que limpou a barra do Roberto Carlos. Tive raiva em pensar que o especial Natal da Globo seria muito mais divertido se o Tim Maia fosse o “rei” .
(Maria Shu- 04/01/2014)