O telefone vermelho

Conversando com um amigo sobre fenômenos paranormais, lembrei-me de um incidente acontecido na minha infância que, com certeza, foi uma das experiências mais marcantes de minha vida e que despertaram meu interesse pelo mundo de fantasmas, contos e filmes de terror.

Eu tinha dez anos. E uma turminha de mais três amigos: Antônio, Jefferson e Rafaela. Éramos do tipo “destemidos” e adorávamos nos arriscar em descobertas. Um dia, em visita ao museu da cidade, enquanto passávamos pela sala de armas, ouvimos um telefone tocar ao longe e, olhando pela janela, vimos um casarão antigo, e o som do telefone parecia vir dali. Procuramos a professora Renata e Jeff indagou sobre a casa. A “tia Rê” disse que estávamos ficando malucos, porque não morava ninguém naquela casa há quase três décadas. Ela havia pertencido ao primeiro coronel da cidade, um senhor muito austero e ignorante, que inclusive tinha uma foto sua no museu, mas que agora, pertencia ao patrimônio histórico da cidade.

Claro que não nos contentamos em apenas saber disso. Éramos crianças curiosas, e eu, desde pequena, com faro e gosto pela aventura (uma psicopatazinha em forma de menina que mais parecia um moleque). Pois bem. Marcamos que iríamos entrar na tal casa. Inventamos um trabalho de escola para nossos pais, faríamos na casa de Antônio, já que os pais dele trabalhavam o dia inteiro (e a irmã mais velha não se ligava muito no que fazíamos). Rafaela desistiu de ir. Não que tivesse medo, “acho que não devíamos entrar lá” foi a desculpa dela.

Pulamos o muro (que àquela época era baixíssimo, mas hoje, deve ter por volta de três metros de altura depois da reforma) e escorregamos até a porta da frente. Tinha uma armação de ferro, mas era quase toda de vidro e estava quase que totalmente quebrada. Não foi difícil abrí-la, o ferro estava desgastado e a fechadura quebrou-se facilmente. A casa era incrível. Móveis muito antigos, quadros meio caídos nas paredes, algumas poltronas cobertas por um lençol e grossas camadas de poeira no chão e nos móveis. A casa possuía dois andares, mais o térreo e um micro porão. Fuçamos em tudo. Estantes, gavetas, reviramos armários... Muitos papeis e objetos antigos de decoração, mas nada que nos chamasse muito a atenção. Cruzamos as escadarias que rangiam sob nosso peso, Antonio queria encontrar o tal telefone.

Chegamos ao primeiro andar que só tinha uma suíte, um quarto e um banheiro. Na suíte, encontramos um telefone que parecia destoar completamente da decoração. Era vermelho, mas tanto quanto os demais móveis, estava coberto de poeira. Antônio e eu nos aproximamos enquanto Jefferson ficou na porta. Mas o telefone não tinha linha, o fio estava roído, cortado. A colcha sobre a cama parecia extremamente velha. Entramos no pequeno banheiro e somente ele parecia intocável. Somente o chão estava um tanto sujo, mas as paredes brilhavam, azulejos azul cor do céu iam do chão até o teto com arabescos amarelados. As paredes eram extremamente frias. Passando pelo espelho no quarto, que havia sido quebrado, senti um arrepio correr na pele e juro que vi um vulto passar (desde este tempo, via manifestações espirituais, mas não as distinguia e meus amigos achavam que era coisa da minha cabeça).

Saímos da suíte, passando pelo segundo quarto. Nada de interessante, móveis sujos e quebrados e um baú antigo de pele de cabra, vazio. Subimos os degraus para o segundo andar, mas estava lacrado. Barras de madeira haviam sido pregadas na porta e por mais que tentássemos, não abrimos. Jefferson deu a ideia de explorarmos o tal porão e descemos, em fila indiana.

O porão não era grande coisa. Parecia mais uma despensa onde guardavam alimentos. Muitas prateleiras e uma mesa de madeira bem rústica no centro. Mas ao invés de alimentos, havia ali partes de corpo esculpidas em argila. Eu sabia do que se tratava, havíamos visto algumas no museu. As pessoas da cidade, quando ficavam doentes, faziam promessas aos santos católicos. E quando recebiam a cura, esculpiam a parte curada (fosse o que fosse) e traziam até o santo como agradecimento. E ali havia mãos, pés, cabeças, corpos inteiros e algumas massas amórficas que não soube dizer o que era (talvez órgãos internos que os artesãos não sabiam do que se tratava). Num canto mais escuro, vi um pequeno altar com algumas imagens de santos, perdendo a pintura esmaltada. E uma delas particularmente, se não me engano, São Judas Tadeu, me fez correr um arrepio na coluna.

Saímos dali decepcionados. Não havia nada de misterioso ou aventureiro. Nada mesmo. Antônio insistiu que devíamos tentar entrar no segundo andar. “Eu falei pra trazer um pé de cabra” ele reclamou. “Somos exploradores, não arrombadores” eu disse. Estava me sentindo a própria encarnação de Indiana Jones. Entre discussão se íamos ou não, lembrando que o trato era não nos separarmos, decidimos voltar lá. Mais uma tentativa e iríamos embora. Subimos as escadas e, passando pelo segundo andar, entramos no primeiro quarto. Ouvimos então o telefone tocar. Aquele mesmo som, mas dessa vez, bem perto de nós. Apenas nos entreolhamos e pernas para que te quero. Saímos correndo dali e nunca mais voltamos.

Até hoje não sei dizer se foi obra de medo coletivo ou se algum espírito ali estava zombando da nossa cara.

Dark Moon
Enviado por Dark Moon em 04/01/2015
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