A Avó
Tempo de não fazer coisa alguma. Contemplar a mulher que em fênix se desata. Ontem mesmo lembrei de uma conversa que se passou no curto espaço da sala. Percebi que não daria em nada a prosa, várias pílulas de tédio jogadas na mais invisível relva. Por pouco não parei a conversa e tive uma perda quase que mística.
Olha, experiência de avó não é coisa que se desperdice, principalmente se falado num longo, rouco e ondulado sotaque que de tudo um pouco sabe. Dizia ela, de forma impossível, sobre esta arte pouco complexa que vende aos ouvidos alheios, ou não tão alheios, sua catarse.
Remexer no que descende da dor, dessa dor mesmo primordial que um ou outro ser humano
segue um quase inconsciente curso de preparar o momento doloroso e beber cada pedacinho da lembrança reprimida.
O passado de corola que era a moça dos lábios insensatos, uma centena de amigos que não mereciam este título por vociferarem
um segredo quase hepático. Minha avó é destas pessoas que param a fala quando simplesmente passa a vontade:
- Menino, você tá ficando louco! - Dizia à minha insegurança - Isso é coisa
de gente que tá ficando louca!
A voz empoeirada, a mais terna voz que jamais ouvi no cais do peito.
Era um dia qualquer do ano que passou, estava da forma mais plausível que poderia, sentada de uma calma quase astral.
Beijos que a presenteava no rosto, o som do estalar que reproduzia.
Dormia apenas quando o neto regressasse de onde quer que fora.
As rugas curvilíneas transmutavam num compressor de medos joviais. Observo a experiência do concreto, o que há no ar canalizando a flor de pétalas aladas, não há nada que desloque o tempo como um conselho de gente mais velha. De tudo me queixava, não só de burocracia amorosa, mas de pernas que já
me faltavam. Eis que me aparece com uma dessas, avó mesmo é um último nirvana:
- Meu filho, tu vais ser de maior felicidade!