O momento mais surrealista que eu vivi
Fiz a tropa num quartel que considero peculiar, porque, no tempo que lá passei em vez da camaradagem que dizem existir na tropa, esta fora substituída por um ódio visceral entre quase todos os soldados, ódio que só encontro razão de ser no facto de estarmos lá obrigados.
O ódio reflectia-se também na nossa divisão dado em 90 homens existirem - em termos proporcionais - mais grupos do que partidos políticos a seguir a uma revolução,grupos que se odiavam entre si de tal forma que me leva a pensar que só não nos matámos uns aos outros devido tanto ao facto de tal ser crime como ao facto desse ódio ser do tipo “cão que ladra não morde”…
O clima entre os soldados era pois de quase guerra civil, que nem na altura do Natal se desanuviou e as coisas ficaram mais calmas.
Foi esse ódio que me levou a escrever estas linhas, mais precisamente ao momento em que ele foi esquecido, às quase 2h de amizade entre todos, à troca de piadas entre inimigos declarados, enfim à paz total naquele quartel.
O que se segue é a mais pura verdade por muito absurda que pareça:
- Um dia alguém se lembrou de passar o vídeo “A pequena sereia” na messe dos soldados e, para meu grande espanto, nada de bocas a roçar o ordinário, nada de comentários menos próprios, durante o tempo do filme apenas se ouviram na messe os suspiros de homens de 21 anos encantados com um filme para…crianças…
Naquele tempo os homens deixaram de serem homens, os soldados descansaram, naquele tempo a messe esteve ocupada por crianças que sonharam que o eram de facto muito para além do tempo de duração do filme.
No entanto, mal acabou este voltou o rancor, voltou o ódio com o regresso à realidade, mas esse momento valeu por ter sido o momento mais absurdo, ou se quiserem, o momento mais surrealista que eu vivi, que eu presenciei.
Mas, sabem, nestes dias dou comigo a por vezes ter saudades de momentos surrealistas como aquele…