O PROFESSOR "PI" - DE DELEGADO DE POLÍCIA A SENADOR DA REPÚBLICA
- CAPÍTULO I -
PRÓLOGO - Rio de Janeiro, a partir de 1 945.
A estória aqui narrada é fruto de observação pessoal do autor,arquiva em sua memória desde a adolescência, quando não podia
se manifestar, nem externar suas opiniões. Em grande parte, as conje-
turas são inverídicas, romanceadas, visando dar maior expressão aos fatos. Tambem os personagens, embora fictícios, podem ser confundi-
dos com personalidades que existiram.
Por que o título "O PROFESSOR PI - De delegado de polícia a Sena-
dor da República"? - A figura principal é de um homem rude, de pouca
instrução, recrutado nas fileiras da Polícia Militar como Sargento para
ser Delegado no interior. Tornou-se, em pouco tempo, usando o jargão
popular, verdadeira "otoridade". Ambicioso e astuto conseguiu se des-
tinguir perante a sociedade local, alcançando elevada posição. Inicial-
mente, estudou Contabilidade, teve aí o primeiro contato com a cons-
tante grega PI; transformou-se num aficionado da invariável, chegando
a correspondente da sociedade na Grécia, que permanentemente atua-
liza a matéria.
Em razão de seu pré-nome Nicomedes, era conhecido na cidade de
Encarnação por NICO e seus alunos reuniam os apelidos para ensejar a
cacofonia que dava a entender alcançar toda a sujeira da cidade.
Paulatinamente foi conquitando evidência, não só política, como re-
presentativa, de professor, fazendeiro, produtor e proprietário rural. Bem verdade, contou com o auxílio do sogro, que era grande comerci-
ante e latifundiário. Como dote nupcial lhe deu uma de suas fazendas.
Tornou-se autoridade policial, foi exímio aplicador de violências,co-
mo professor abusou das mães dos alunos, motivo que culmina o final do livro.
Mandatário de representação popular ou mesmo no exercício de al-
tos cargos no governo, não modificou seu procedimento, muitas vezes
constrangendo sua mulher, prendada e possuidora de elevados dons morais.
As figuras romanescas aparecem em diferentes ensejos, todas liga-
das ao mestre Nico. Mulheres, das primitivas eras de Encarnação, e eventualmente as que mantiveram relacionamentos nos lugares em que
trabalhou e frequentou, são lembradas. A encantadora Iracema, dan -
çarina e cantora do cassino, aonde o personagem principal ia amiuda-
das vezes, teve reluzente participação quando da sua vida parlamen-
tar.
O final empolgará o leitor, porque passados muitos anos, o Sena-
dor Nicomedes recebe o castigo público que fora merecedor ainda nos
primórdios de sua carreira voluptuosa.
O PROFESSOR "PI"
DE DELEGADO DE POLÍCIA A SENADOR DA REPÚBLICA
= CRÔNICAS ROMANCEADAS =
Autor: Alberto Frederico Soares Mello.
ÍNDICE
- NÃO VOLTEM MAIS À CIDADE ................................. 5
- AS INÚMERAS ASTÚCIAS DE NICO............................ 12
- A NOVA FASE DO DR. ASSUNÇÃO.............................. 21
- A PARTIDA DO FUTUROSO HOMEM PÚBLICO ............... 26
- A POSSE ............................................................. 30
- A SEQÜENCIA DOS TRABALHOS DO SECRETÁRIO.......... 39
- O RETORNO À ESCOLA ........................................... 50
- A CORRIDA À CANDIDATURA AO GOVERNO ................. 53
- A VINGANÇA DE FRANCISQUINHO ............................. 75
NÃO VOLTEM MAIS À CIDADE...
(O ordenamento desta narrativa obri-
gou-nos a transcrição de uma série de
artigos do atual Código Penal Brasileiro,
possibilitando, assim, ao leitor, desliga-
do do mundo jurídico, ajustar os perso-
nagens aqui vivídos, imaginariamente,
nos diversos crimes que cometeram.)
Encarnação era uma cidade totalmente diferente, até o trem que a
ela chegava não despontava de frente. A locomotiva fumegante era a
última peça do comboio a aproximar-se da estação.
Hoje, quando já não mais existem trens em tráfego constantes, po-
de-se avaliar o quanto de significativo havia naquele estranho traçado
ferroviário. A cidade recebia seus ilustres visitantes de costas e, por isso mesmo, eles eram os últimos a deixá-la, porém de frente, no rumo
que tomavam! Depois, também os diletos filhos ou mesmo os malfeito-
res só saiam da cidade muito após ter pertido a locomotiva "maria-fu-
maça", quando essa apitava na primeira curva, distante, circundada por um alto muro que começava no pátio de manobras. Parece, que aquela curva existia para impedir o último adeus, de quem ficava a quem partia.
Como em todos os lugares, em frente à estação, havia uma grande
praçazelosamente cuidada. O esmero da limpeza a resplandecia, em contraste com a simplicidade de suas linhas. Prdominavam, nos cantei-
ros, os cravos, desprendendo inebriante aroma silvestre. Não se podia
dizer que era um bosque,face à insignificante dimensão, mas tinha tu-
do para sê-lo, até o gorjeio dos pássaros e os matizes das flores res-
plandeciam. Altos pinheiros enriqueciam a praça.
Não havia festa naquele dia em que deixava a cidade a quase tota-
lidade da família Assunção. O patriarca, aclamado por uns e achinalha-
lhado por muitos, exercera todas as funções públicas proeminentes. Só
não fora o pároco da localidade.
Seu prestígio político-social ecoara na Corte, que pelo seu gover-
nante o convidara para assumir importante cargo de Secretário de Es-
tado. As homenagens antecederam a partida do eminente homem pú-
blico, o professor Nicomedes Campos de Assunção.O regozijo de muitos
pela ida de "Nico" para a Capital só era ofuscado diante da satisfação
de inumeros detratores que, forma pejorativa o chamavam também de
Professor PI. Os desprimorosdos apelidos, quando juntos, davam a en-
tender que o mestre Assunção comportava toda a sujeira da cidade,le-
vando em seu bojo tudo de mais fétido que por lá havia.
Ainda rapaz chegara à cidade, como sargento da Polícia Militar, pa-
ra exercer a função de delegado de polícia.
Singularmente, a cidade era pacata. Seus habitantes, calmos e co-
medidos em suas atitudes, guardavam do berço a serenidade no com-
portamento social e comercial. Todos se conheciam , nascendo daí o
entrelaçamento de amizade e respeito ao semelhante. Vez por outra era sacudida pelo desmando de forasteiro que lá chegavam, desenca-
deando-se imediatamente reações, e originando, em conseqüência, conflitos até mesmo armados. Isso tornava seus moradores violentos e agressívos, principalmente por causa da presença de pertubadores da
ordem, vindos de localidades próximas, conhecidos pelo comportamen-
to de certos ancestrais, historicamente truculentos e irresponsáveis.
Contava-se que, como delegado de polícia, o Professor "PI" fizera o diabo. O fato é que os presos, principalmente os forasteiros, não ti-
nham boa vida. Se rudes, grosseiros, violentos e desumanos, primeiro eram desmoralizados pelo delegado, homem forte, de compleição físi-
ca privilegiada e antigo praticante da arte do "box".
Geralmente reunia os presos no centro do pátio e chamava um por um para experimentar seu murro, que quase sempre os nocauteava. Porém o que mais apreciava era colocar dos presos frente a frente e alí, na presença de todos, que assistiam à degradante iniciativa, os o-
brigava a se oscularem na boca, seguida de uma sessão de masturba-
ção simultânea. Terminada a cena, ele, impassível dizia: ESTÃO TO-
DOS DESMORALIZADOS, acabou-se a valentia e terminada a fama de
bandidos. A seguir, o soltava, não sem antes, deixar de recomendar:
NÃO VOLTEM MAIS A CIDADE, o que pode determinar adoção de ou-
tras medidas. Em paralelo, tudo isso era bom para o juiz que ficava poupado de processar tais presos,às vezes,por crimes insignifican-
tes. A malfadada idéia de choques elétricos ainda não fora introduzi-
da, nem o chamado "pau-de-arara", mas o delegado Assunção não per-
dia a excentricidade de executar o que chamava de "sessão espirita" -
pancadaria generalizada, acompanhada de cantigas de terreiro. O pun-
guista, que geralmente atuava na chegada do trem,era retirado de cir-culação, graças a simples aplicação violenta, sobre os dedos da mão, da parte de madeira do antigo "mata-borrão".
O delegado recebera dos presos o apelido de "bracinho de rã", de-
vido a anatomia dos seus membros superiores, diversa do geral encon-
trado no ser humano, que se assemelhavam aos pequenos anuros.
Sua fama corria de boca em boca e o vigario nos sermões domini-
cais condenava do púlpido aquelas práticas abusivas.
O padre de Encarnação, como quase sempre acontece nas paró-
quias do interior, reunia o ministério de transmitir a religião com o de
conselheiro e confidente dos beatos, derivando daí sua influência em
todos os espaços da comunidade. Aquele comportamento dava-lhe singular prestígio, se não solucionava conflitos, ao menos os encami-
nhava às competentes autoridades.
Por oportuno, vale lembrar a chegada à cidade de uma clã de luta-
dores da chamada luta livre, na qual valia tudo: socos, pontapés, ca-
beçadas, cotoveladas, etc. Eles se apresentavam numa arena improvi-
sada sob um toldo de lona, uma espécie de circo mambembe. Os per-
sonagens adotavam nomes que despertavam curiosidades do público:
"O HOMEM GIGANTE", "O HOMEM MONTANHA", "O MASCARA AZUL","AL-FIO BARONI", O "HOMEM MACACO" e outros. Lutavam entre sí, com desafios constantes, um com o outro da trup, o que mais acirravam os
espectadores. Quase sempre, o mais afamado lutador, Alfio Baroni, ganhava dos demais. Ele na verdade, parecia ser mais atlético e de-
tentor de maior técnica.
O delegado Assunção frequentador assíduo dos espetáculos,come-
çou a propalar que tudo aquilo se originava em prévia combinação de resultados e que nenhum daqueles contendores teria condições de su-
portar pra valer, enfrentá-lo, pois seriam derrotados com o poder de seus socos. Resolveu desafiá-los, decidido defrontar-se com qualquer um deles, para uma luta sem tempo marcado e número de "round" definido.
Assunção recrutou todos os presos da cadeia para treinar, cau-
sando-lhes uma série de elevados machucados. Mas, nem sempre os ofendidos eram socorridos peloss facultativos do lugar, e sim por sim-
ples auxiliares de enfermeiros, evitava, dessa forma, o delegado que o Promotor ou Juiz tomassem conhecimento dos fatos.
Foi um rebuliço na cidade. Formou-se entre os membros da popula-
ção duas correntes, uma a favor do delegado e outra contra. Isso re-
sultou em acaloradas discussões nos bares, armazens e casas comerci-ais.O futebol local não conseguia reunir tantos aficionados e interessa-
pelo possível resultado, que por certo sucederia. As apostas tornaram-
se estapafúrdias, giravam principalmente em animais e bens cobiçados
pelos apostadores, levando Assunção a querer tirar vantágens no caso
de vitória. Usava até um argumento simples, eu vou me expor à prática
constante desses lutadores,suas malícias nas contendas corporais,que podem causar-me deformações e sérios traumas, logo tenho de ser aquinhoado com parte do que ganharem.
Toda população acorreu à arena, com exíguas dimensões,dispondo
apenas de 300 lugares sentados.
O empresário dos lutadores resolveu que o adversário do delegado
seria o "HOMEM MACACO", o mais franzino, preto, com os trejeitos de
primata, o qual, para valorizar ainda mais a alcunha, imitava com muita
perfeição. O delegado tentou de todos os modos que fosse ALFIO BA-
RONI, sem conseguir apoio positivo do chefe dos lutadores.
Nesse dia, foi à terceira luta. E la estava o "HOMEM MACACO" es-
perando, no seu "corner", a subida de Assunçã, que apareceu de rou-
pão azul-marinho de gola vermelha, mandado confeccionar especial-
mente para o acontecimento. Aplaudido por pequena parte do público e vaiado pela maioria, mas fogoso e convicto de suas amplas possibili-
dades, não cumprimentou ninguém, nem mesmo o juiz da peleja. Dado o sinal de início da luta, o "HOMEM MACACO"com o seu cacoete, corpo
no sentido longitudinal, enrijado, voou do seu escanteio em direção ao
adversário, que ia se aproximando do centro da arena, e deu-lhe uma cabeçada tão forte no estômago que o colocou desacordado, sendo necessária a assistência do médico presente, providência alvissareira do intermediário das lutas.
Acabara-se naquele instante, a valentia arrogante de Nico.
A imágem que se formou em Encarnação não traduzia grande es-
plendor, ao contrário, as modestas linhas arquitetônicas traziam lem-
branças do passado colonial, seus prédios bem o definiam, tristezas e
melancolias, seu delegado de polícia fora fragorosamente derrotado e humilhado como nos velhos tempos de outrora. Seus prédios bem o de-
finiam, muitos ainda conservavam antigos porões, de pé direito baixo, destinados quase sempre a armazenar mercadorias e utensílios inserví-
veis, propiciando focos de rataria e insetos daninhos. Não havia pro-
gresso, as ruas pouco diferenciavam, calçamentos irregulares, de pe-
dras roliças, causavam dificuldades ao trânsito de c arros grosseiros ou
até mesmo aos traseuntes, em especial do sexo feminino. Mas, seus moradores chauvinistas, não se insurgiam contra a falta de desenvolvi-
mento, conservavam-se orgulhosos da cidade. Foram feridos nos seus
brios e levou-os a se rebelarem contra o resultado da luta. Os protes-
tos foram unânimes, esqueceram as apostas, todos ficaram a favor de Nico e exigiam uma desforra, que nunca se realizou.
Na Câmara Municipal os vereadores protestaram em desfavor do re-
sultado da luta e exigiam imediata cassação do alvará que autorizara o
funcionamento em Encarnação daquele tipo de espetáculo. Houve con-
trovérsia entre os habitantes, decorrentes da escassez de diversão, já
que o único cinema, além de exibir filmes antigos, tinha um projetor pri-
mitivo que enviava à tela imagens seriadas, irritantes porque as luzes
eram ativadas no intervalo das partes, quando da troca dos rolos do
filme. Assim permaneceram por muito tempo em Encarnação os lutado-
res de lutas livres.
SEGUEM-SE, conforme observações iniciais, as sanções penais às
quais estavam sujeitos os protagonistas dos fatos narrados:
DIREITO DOS PRESOS - Art. 38 do Código Penal -
"O preso conserva todos os direitos não atingidos
pela perda de liberdade, impondo-se a todas as au-
toridades o respeito à sua integridade física e moral.
Dispõe a Constituição Federal no art.5º - XLIX - E´
assegurado aos presos o respeito à integridade físi-
ca e moral.
Por outro lado, a lei nº 7.210, de 11-7-1984 (Lei de
Execução Penal),em seus artigos 3º,40ºe 41º,tra-
ta especificamente do direito dos presos.
Cabe lembrar que as atitudes do delegado Assun-
ção estariam capituladas nos arts.129,214 e 233
do mesmo Código Penal.
AS INÚMERAS ASTÚCIAS DE NICO
Certa ocasião, um fazendeiro probo reclamara ao Meretíssimo Juiz
da Comarca que cinco das suas reses sumiram,mesmo sabendo ter si-
do o delegado quem promovera a extravagante situação, prendendo-as
juntamente com dez outras na fazenda de um rival latifundiário, de
procedimento pouco recomendável. Este último,simultaneamente,ale-
gara ao Juiz que o delegado solicitara abrigar no curral de sua fazen- da aquelas cabeças de gado. E mais, depois o ameaçara violentamen-
te, inclusive que o processaria, caso não confirmasse que dos animais
haviam morrido no pasto, picados por cobras.
Ainda assim, conseguira o até então sargento da Polícia Militar con-cluir o curso de Perito Contador na Academia de Comércio, anexa ao colégio estadual. O colégio era motivo de desvanecimento dos filhos de Encarnação, não só pelas magníficas instalações procedidas no an-
tigo prédio do conservatório de música,como também porque consegui-
ra reunir uma plêiade de eruditos professores, recrutados na cidade e
nos municípios adjacentes. Com freqüencia, as visitas que chegavam
eram levadas ao educandário. Na oportunidade, exibiam-se as aptidões
dos alunos em diferentes setores. Lá,também servia de palco para gran
des reuniões e atividades dos discentes na arte de representação tea-
tral. Tudo isso concorreu para Nicomedes ser eleito vereador, os muní-
cipes viam naquele homem um valoroso cidadão, mormente por ser ca-
sado com a filha do maior comerciante do lugar, Aurora, senhora reca-
tada, de elevados dotes morais, de boa cultura e de prendas domésti-
cas. Ao casar-se, Nico conquistara privilegiada posição, pois recebera
do sogro a incumbência de administrar uma de suas propriedades ru-
rais, vasta área de terra com primorosa plantação de café e algodão, independentemente da criação de gado leiteiro.
Sua esposa muito católica, mantinha a tradição dos ancestrais,fre-
quentava costumeiramente as missas aos domingos, o que fazia mere-
cer do Padre Gregório elogios e paradigmas de exemplos para todos os
seguidores da religião cristã, motivando sistemático apelo ao marido, delegado Assunção acompanhá-la nas solenidades religiosas. Quando
noivo e após os primeiros meses do casamento ele a acompanhava,de-
monstrando, contudo, um comportamento irrequieto, sem seguir e observar os ritos ditados pelos dogmas eclesiásticos. Vez por outra fi-
cava a apreciar as moças e raparigas presentes, motivando comentá-
rios desairosos.
Surgira a oportunidade de fazer um curso no exterior, de especia-
lização em economia, por indicação do próprio Governador do Estado,
graças a interferência do sogro.
Seu Felipe, de origem árabe, era muito benquisto em todas as áreas,comercial,social e governamental. Mantinha um tratamento hos-
pitaleiro com todos aqueles que o procuravam. Amável, fazia fáceis amizades, permanecia diuturnamente à frente de seu principal esta-
belecimento, o que gerava constantes procuras, algumas visando ori-
entações de negócios. Talvez, essas razões faziam com que o comer-ante tivesse restrições à presença do genro no estabelecimento co-
mercial, motivandas não só por ser ele o delegado de polícia, mas principalmente do costumeiro envolvimento em todas as conversas que alí se desenrolavam, quando não externava o que se passava na fazenda sob sua direção, solicicitando, conjuntamente, recursos para saldar dívidas decorrentes da propriedade. A discrição do se Felipe,re-conhecida por todos, tinha por propósito separar as atividades, não consentindo que estranhos tomassem conhecimento de seus negócios.
O empório tinha grande estoque de diferentes mercadorias, desde uma simples agulha aos mais modernos implementos agrícolas, inúmeras
sacas de café,arroz,feijão,diversos cereais e variedades de senentes.
Ao voltar do exterior, Assunção tornara-se o mais autorizado co-
nhecedor de economia, propriciando sua indicação para prefeito do mu-
nicípio, não retornando à delegacia.
A indicação contrariara as figuras mais representativas da localida-
de, de inegáveis méritos e condutas ilibadas, todas marginalizadas, re-
legadas enfim a planos secundários, superados pelo estranho talento forasteiro, embora recentemente afetado de elevados dotes culturais e
princípios dedicados às coisas públicas.
Guardando identidade com o procedimento da maioria dos outros prefeitos, partiu o novel homem público para a Capital. Seria como que
uma apresentação aos políticos em evidência no Estado.
Ao voltar Nico trazia na cabeça vistosos chapéu de feltro, de abas
largas, do qual se ufanava, dizendo a todos ter adquirido num importa-
dor e era cópia fiel dos usados pelos mais abastados fazendeiros ameri-
canos. Virou moda em Encarnação e não havia quem não quisesse ter
um igual, o que favoreceu ao sogro, seu Felipe, adquirir uma partida de
doze dúzias deles à famosa industria Ramezzoni, que passou a ser dis-
putada quando expostos à venda.
******** ° ********
A guerra mundial o apanhara como Prefeito Municipal e, para não
ser recrutado como sargento da Polícia Militar, fizera um curso rápido de pouco mais de um ano, no Centro de Preparação de Oficiais da Re-
serva (CPOR), fato que não impediu de ser convocado para a ativa,co-
mo 2° tenente. Pouco permaneceu, entretanto, no Exército, pois quan-
do à frente da municipalidade,saudara efusivamente o Ministro Guerra, na visita que este fizera à Encarnação, acrescido paralelamente do pe-
dido do Governador, resultano no seu desligamento da tropa. E, para não voltar ao interior conseguira servir no palácio como Oficial de Gabinete do Governador. Nascia desse ensejo à alvissareira carreira política de Nicomedes Campos de Assunção no Estado.
Tornara-se profundo apreciador e conhecedor de charutos,primeiro,
modestamente,o baiano "Suerdicks",depois,com o passar dos tempos,
fumava somente os cubanos , obsequiosos presentes recebidos de de-
sejosas pessoas marcar entrevistas com o Governador, mercê do tráfe-go de influência que praticava. Não se negava a dar quarquer carta de
apresentação, até mesmo às autoridades que não conhecia. Tivera por
isso mesmo passar peloconstrangimento de ver uma de suas famosas cartas devolvidas pelo Ministro das Relações Exteriores, que, delicada-
mente, transcrevera no verso: "Ao ilustre remetente, professor Assun-
ção, por não ter tido a honra e o prazer de conhcê-lo, creio que daí o equivoco cometido na missiva, chamando-me de Eminente amigo".
Nessa fase da vida já mão usava mais o indelével chapeu de abas
largas.Mudara o hábito, introduzindo, no novo traje, colarinhos soltos em suas camisa, antes brancos, reluzentes e engomados, por outro de
cor creme, sugestão maldosa, desprezível e desmoralizante do Secre-
tário Particular do Governador. Permaneceu com o colarinho creme du-
rante vários anos, detalhe que o identificava, apesar de muitas vezes
incompatível com o usual no vestuário de solenidades.
Desgastado no governo pelas inúmeras tropelias cometidas quando
substituira, por largo período, o Chefe de Gabinete,teve de voltar à fa-
zenda do sogro, contudo com o "status" de grande criador de gado e
cavalos de puro sangue árabe.
Conseguira, valendo-se do cargo que exercera, importar várias ma-
trizes de bovinos e equinos, sob o pretexto de aprimorar o rebanho e
tropilha do Estado.
Transformara-se em emérito professor de Ciências Econômicas,título
oriundo primeiro da benevolência de um curso por correspondência, se-
guido daquele no exterior, galgado por injunções políticas e familiar.
Com a volta a Encarnação,os filhos homens,maiores,permaneceram na capital, os menores, Joana e Protógenes, retornaram com os pais, à fazenda.
Não renunciara a imponência de fumar imensos charutos,embora,por
questão de economia e sem receber ditosos presentes, voltara a apre-
ciar os nacionais,abandonando os cubanos.Outros costumes que a ca-
pital lhe ditara,talvez em razão do cargo que exercera,o colarinho cre-
me, sinônimo, segundo se compenetrava, de prosperidade, todavia ridi-
cularizado até pelos amigos mais íntimos de Encarnação.
Os filhos que ficaram na capital, o Evangelista estava bem encami-
nhado, estudando medicina e o outro, o Agostinho, em preparativos para a faculdade de direito. Ambos eram estróimas, não dispunham de
boas amizades, nem gozavam da simpatia dos colegas, resultante das
ameaças que sempre fizeram: "resolveremos isso no palácio..." Alguns colegas conseguiram descobrir a alcunha do pai, o Professor "PI", que
acrescido do outro apelido Nico, entendia-se a origem da sujeira.
Naquela época, também havia a impunidade e desmando dos jovens,
campeava a influência dos pais prósperos, próceres políticos ou apadri-
nhados das autoridades administrativas e judiciais, fatos incontestes!
A imagem do professor Assunção havia se ampliado, do tamanho 3/4
(antiga foto da carteira de identidade), para quase a dos retratos do
Presidente da República e dos governantes dos Estados,que ridicular-
mente permaneciam expostos nas dependências das repartições públi-
cas. E Nico se regozijava de ser detentor da nefasta influência, procla-
mando aos quatro ventos. Guardava sempre um ar de naturalidade e seriedade. Sua participação na sociedade ou diante da administração pública não se refletia apenas nos gestos demagógicos,se proclamava
cidadão humilde, defensor e protetor dos carentes.
A baforada do charuto tinha duplo objetivo: primeiro, impedir a apro-
ximação do opositor que pretendesse discutir ou mesmo contestar re-
centes situações e, depois, evitar amigos, parentes e correligionários
políticos, desejosos de angariar certas posições. A postura de pouco caso, de desinteresse pelo assunto da conversa que mantinha com os
circunstantes era uma estratégia de comportamento. Por outro lado, para desviar a atenção das pessoas deixava que a cinza do charuto aumentasse, equilibrando-a na ponta do rolo de fumo, atentamente acompanhada pelos incautos, que discutiam quando ela cairia, relegan-
do a conversa do Professor Assunção, exatamente o que desejava.
Pouco ou quase ninguém especulava com o dolar, o comum mesmo residia na exploração dca economia popular. Nico não fugia à regra. De
sua propriedade rural, o leite já saia batizado e nem sempre a água do
córrego na adição tinha a pureza exigida.Nos latões,facilmente encon-
travam-se boiando girinos no precioso líquido.
Problema sério teve quando um dia começou a comprar todo o esto-que de sal da cidade.Soubera que a estrada de ferro,por determinação
do Ministro de Viação e Obras, a quem estava afeto o transporte ferro-
viário, proibira lastrear em seus vagões carga do temperado composto
químico. O protesto foi significativo, a população local ficara sem sal, contudo Nico permanecia impassível, deixava entender que o sal com-
prado destinava-se às necessidades do gado de sua fazenda e utiliza-
ção nos subprodutos do leite.
Um Promotor Público,mais afoito e recém-chegado, recomentou ao
delegado de polícia que promovesse uma diligência na fazenda de Nico
e, no caso de constatar elevado estoque de sal,o enquadrasse na cha-
mada "Lei de Economia Popular".Inicialmente, muita conversa na portei-
ra da fazenda,depois ligeira escaranuças,forçando a abertura da can-
cela.Tudo em vão.Não havia mandado judicial e a diligência se frustara,
sem o efeito desejado pela autoridade do Ministério Público. Nico ga-
nhara um bom dinheiro com aquela especulação.
******** º ********
Na escola estadual onde lecionava, o professor Assunção gozava de
grande prestígio entre os alunos,pois,conseguira reunir um comporta-
mento misto de "durão" e dedicado mestre.Prevalecia-se,como sempre
acontece nessas situações,de chantagem sentimental, forçando seus
alunos a terem aulas particulares com ele próprio, insinuando que evi-
tassem repetir o ano letivo e ia,assim,aumentando seu orçamento men-
sal.Esse e outros procedimentos o tornaram mais conhecido como Pro-
fessor PI.
Mas por que o apelido de "PROFESSOR PI" ?
Quando Nicomedes iniciou os estudos de matemática Euclidiana, de-
parou-se com a constante PI, objeto de análise dos gregos há mais de
2000 anos. que continuavam pesquisando suas propriedades e métodos
para calcular seu valor, relacionado a princípios simétricos circulares e
esféricos. Explicava, sua aplicação no uso e estudo de circulos e esfe-
ra se apresenta de forma inexorável, produzindo uma grandeza.
O então aluno se envolveu de entusiasmo, levando-o a perquerir, na
Enciclopédia "Delta Larousse",a origem,o envolvimento,o valor constan-
te e a distribuição assintótica dos números primos.Tornou-se um aficio-
nado e, já como professor,era um obstinado.Nas aulas são parava de falar, despertando o interesse pelo estudo do Pi,que, na grandeza geo-
métrica, tem seu valor expresso por 3,1416...
Frequentemente,os alunos eram submetidos a exercícios diversos,re-
lacionados à constante predileta do professor.Na realidade,dizia,temos
quatro constantes que podem ser chamadas de PI,a saber:-primeira, a
proporcionalidade na relação entre a circunferência de um círculo e o
quadrado de seu diâmetro;segunda -na relação entre a área de um cír-
culo e o quadrado de seu diâmetro;terceira - na relação entre a área de uma esfera e o quadrado de seu diâmetro; e quarta - na relação entre o volume de uma esfera e o cubo de seu diâmetro.
Através do uso das fórmulas clássicas da geometria, complementava,
torna-se fácil expressar qualquer uma das constantes, mas prefere-se
trabalhar com o PI da circunferência de circulos. Continuava, o PI está
em todos os lugares,como no rolar das ondas na praia,no trajeto diário
do céu visto da terra;o espalhamento dos cogumelos;o movimento das
engrenagens e rolamentos;a propagação dos campos eletromagnéticos
e um cem números de fenômenos e objetos que estão associados à si-
metria circular e esférica, daí a ubiqüidade do Pi.
Tudo isso impressionou Nicomedes Campos de Assunção.
As aulas particulares tornaram-se incessantes,propiciando visitas às
casas dos alunos. A freqüência à casa de Francisquinho, seu aluno no
Colégio Estadual,favoreceu enamorar-se da progenitora dele que, se-
parada do marido, vivia só com o filho e trabalhava na Prefeitura.Certo
dia o jovem fragou-os em colóquios amorosos, demonstrava aversão a
misoginia, qualquer mulher que estivesse ao seu alcance seria fisgada.
Embora franzino,não gostou daquele comportamento e enfrentou o pro-
fessor, jurando vingança pelo desrespeito, por ter ficado na sala resol-
vendo exercícios de matemática, intencionalmente passados, enquanto
o mestre se abrigava na alcova com sua mãe. Todas essas ações do
professor não impediam que fosse escolhido ao final do ano letivo para-
ninfo da turma concluinte do curso ginasial.
******** ° *********
Os moradores do lugar contavam duas façanhas de Nico, ambas vio-
lentas.
Certa feita recebera em sua casa uma pobre mulher que revelava os
maus tratos impostos pelo marido. Estava ela cansada de sofrer tantas
humilhações, espancamentos e exploração nas poucas economias ga-
nhas com a venda de doces caseiros. O professor Assunção, austera-
mente,propôs-lhe que procurasse o delegado.Argumentou ela que já o
fizera diversas vezes, sem obter êxito contra o abusivo cônjuge.
Lembrou-se da época em que exercera o cargo de delegado local e
nos arroubos próprios daquela autoridade tomou uma decisão, costu-meira. Ordenou que viesse da fazenda dois homens: seu capataz e um
forte boiadeiro. Esses empregados seguiam religiosamente as ordens do
patrão. Deui-lhes a incumbência de irem à csa de D.Emerênciana e tra-
zerem seu Chiquito,já pronto,inclusive com roupas na mala,pois ele fa-
ria uma grande viagem.
Foi solícito com o Sr, Chiquito e terminada a conversa,sem antes não
deixar de soltar uma baforada de charuto em seu rosto, disse-lhe:
- Vou pagar sua passagem de trem, no noturno-leiteiro que sai agora
às 22 horas para o Rio de Janeiro, porque lá é melhor, mas nunca mais retorne aqui,evitando,assim que o pior possa lhe acontecer.Os maldo-
sos costumavam contaressa estória diferente, que Nico apanhara com
D.Emerênciana o dinheiro da passagem...
A outra proeza teve como protagonista seus próprios filhos. A única filha, jovem, bonita e dotada de chamativos contornos, tipo capaz de
impressionar numa passarela,fora ao médico,um otorrinolaringologista, alegando grave infecção na garganta.Ao consultar-se,recebeu do mé-
dico a recomendação para ir atrás do biombo, tirasse o vestido e a combinação para um exame geral.Não vejo necessidade disse a pacien-
te, é apenas forte dor de garganta...Joana não se despiu, regressou ao
lar, sem terminar a consulta e informou à sua mãe, o que se passara no consultório do Dr. Fortunato.
Nico ficou sabendo por D. Aurora do ocorrido, não vacilou. Chamou seus dois filhos, Evangelista e Agostinho, que gozavam férias na fazen-
da. O primeiro era halterofilista e o segundo praticante de jiu-jitsu. Re-
comendou-lhes que fossem ao consultório de Dr.Fortunato e examinas-
sem suas gargantas.Os rapazes entenderam a mensagem do pai.Rece-
bidos no consultório pelo facultativo, que não os reconheceu, informa-
ram-lhe que estavam com dor de garganta. O médico foi logo dizendo:
isso não é nada, uma simples inalação de azuul de metileno debelará a
infecção. Os dois jovens não se satisfizeram com a prescrição, foram
para traz do biombo e começaram a se despir, no que interrompeu o doutor: - Não é necessário, podem se vestir. Houve troca de palavras
ríspidas, lembraram o ocorrido com a irmã e seguiu-se uma memorável
surra. Assustada a enfermeira gritava:- Vou chamar a polícia.Ato con-
tínuo, Dr.Fortunato vociferava: NÃO, NÃO, NÃO !!! Prefiro apanhar de-
les mesmo, sem a polícia tomar conhecimentos.
A NOVA FASE DO DR. ASSUNÇÃO.
Cessado o regime autoritário, com o advento das eleições, pareceu
que as portas da administração pública estavam fechadas para Nico,
até porque os partidos políticos estavam em formação, sem que ele se
manifestasse por qualquer tendência, deixara, propositadamente, de fi-
liar-se.Aguardava pacientemente os acontecimentos,supunha-se gnós-
tico,com atributos surgidos da natureza e até mesmo divinos,irrelevan-te seria precipitar posicionamentos políticos.
Instalara-se no Estado novo Governo,depois de renhida luta eleitoral,
da qual o mestre deixara de participar ativamente, apesar da hipotética
colaboração que poderia dar,ao proclamar-se profundo conhecedor de
economia, inclusive com curso no exterior.
Eis que na capital do estado surgiu a lembrança do nome do profes-
sor Nicomedes Campos de Assunção, homem do interior, com vasto co-
nhecimento em diferentes áreas, que acabara de ser eleito presidente do partido do Governo na municipalidade de Encarnação, o que facilita-
ria alçar uma Secretaria de Estado.
Sua credencial política não se traduzia em um significativo contin-
gente eleitoral, mas reunia a postura de homem público de grande ex-
periência administrativa.Passava-se,assim,uma esponja na nociva con-
duta que sempre tivera.Repetiam-se as mesmas diretrizes da ditadura.
Os melhores homens não eram escolhidos e sim aquele que facilmente se adaptavam às contingências.Os primeiros contatos foram via tele-
grafo, entre o futuro Secretário Particular do Governador e o persona-
gem. Depois do convite formal,seguiu-se a sugestão para que o profes-
sor Assunção fosse à Capital, afim de manter entendimentos diretos com o Chefe do Poder Executivo.
Assunção não sabia qual a Secretaria que assumiria.A indefinição
momentânea lhe causara certos problemas fisionômicos, pois,além da
indecorosa bigodeira,deixara crescer a barba,tudo isso em razão da in-
definição que adotara.Vacilou se raspava a barba,permanecendo ape-
nas com o cavanhaque,sinônimo de austeridade.Prevaleceu contudo o
expressivo bigode!
Embora,autodidata,admirador de sí mesmo,com a faculdade de eman-
cipação,guardava ridícula supertições e crendices.Essas caracteristicas
geravam complexo e insegurança sobrenatural que o levavam,antes de
partir,procurar uma mística,pretendendo obter sua benção e receber um amuleto. Não deixara, todavia, de ir ao encontro do Padre Gregório para pedir-lhe graças e proteção divina.O vigário relutou em abençoá-lo,por ser sabedor que Nicomedes antes procurara a esotérica afamada
da cidade,ligada ao espiritismo,feiticista,promovedora dos chamados despachos, crendices combatidas pela igreja.
Seguiu só, de trem, para a metrópolis.
O preparo das roupas se constituiu numa verdadeira odisséia. Queria
levar os colarinhos cremes, separados das camisas,bem alisados,engo-
mados e reluzentes,lembrança dos tempos passados quando estivera no gabinete do então governador,exercendo a função de Oficial de Ga-
binete. Na cidade grande haviam lavanderias especializadas em engo-
mar colarinhos. No interior,por mais que as mucamas se esmerassem não conseguiam a perfeição das especialistas.Reclamara à Aurora:como
posso apresentar-me com esses colarinhos limpos,porém não tão bri-
lhantes e lisos como os usados na cidade.
Pacientemente, D.Aurora argumentava e sugeria que, ao chegar lá,
mandasse levá-los nas tinturarias locais e comprasse mais alguns.
Em carater político,praticamente,aquela seria a primeira partida para a Capital.
Hospedou-se no suntuoso Hotel Astoria,local de reunião dos mais fes-tejados políticos da época. O jogo estava em plena efervescência,fre-
qüentado pelos mais significativos próceres políticos,homens de negó-
cios e aventureiros profissionais de todas as camadas sociais. O uisque
ainda não se tornara a bebida da moda, nem o diletante "high life" o apreciava. O champanhe, o vinho do Porto,Madeira R ou M e o conha-
que 5 estrelas,além de serem os mais disputados,se constituiam nas
bebidas prediletas.
O Professor Assunção não fugiu à regra;deleitou-se,inicialmente, com
o vinho <adeira R, de cálido sabor.Rapidamente, em torno de sua mesa
postulantes a cargos públicos na nova administração recém-empossada
se reuniram para discussão da "partida do bolo".Já era comentário geral
que o Prof.Assunção seria o Secretário de Educação, o que não lhe en-
tusiasmou muito, sabedor de suas limitações.Estaria,contudo,impossibi-
litado de reivindicar outra secretaria, parecendo-lhe porem que a pasta
agricultura, oferecia melhores condições ao seu desempenho.
Um verdadeiro lider político,sentado à mesa não deixara passar a oportunidade para dar un alfinetada, analisando maliciosamente: - "o Governador irá pensar muito antes de escolher",acrescentando,não po-
de ser qualquer um o Secretário de Educação, é preciso,antes de tudo,
ser um homem erudito, preferencialmente integrante da classe do ma-
gistério.Disse mais:- tenho comigo um memorial com cerca de 500 assi-
naturas para ser entregue ao Governador,indicando três nomes, um membro da Academia de Letras,outro o emérito professor Souza Maia,
antigo diretor do Instituto de Educação e,finalmente,o terceiro é o de-
cano da magistratura,Dr.Silva Porto. Nicomedes assustou-se diante das manifestações,acreditando,desde logo,que enfrentaria dura para-
da,luta desigual,não tendo armas para vencê-la.
Enfim, foi marcada a hora da audiência com o novo Governador,velho
Lobo do Mar, Almirante de passado não muito recomendável,caráter di-
verso do anterior,que reunia todas as condições de dignidade,respeito às coisas públicas, oriundo de tradicional família, acima de tudo hones-
tíssimo. A conversação por isso seria faciliatada e objetiva, como na verdade o foi. O diálogo fora rápido,na presença das maiores lideranças
políticas,inclusive o Presidente da Assembléia Legislativa e o Prefeito de Encarnação,inimigo gratuito de Nico.Efetivou-se oficialmente o con-
te para assumir, não a Secretaria de Educação e sim a pasta da Agri-
cultura, o que lhe agradara e tranqüilizara,especialmente porque dispo-
ria de meios orçamentários e contatos políticos no interior do Estado,
vislumbrando uma futura cadeira no Senado Federal.
Apesar dos abraços recebidos na oportunidade, conflitavam com o descontentamento dos presentes. Constatava-se que Assunção trava-
ria renhida batalha de bastidores,particularmente com o Presidente da
Assembléia, grande pecuarista e afamado nas relações com a classe produtora. Todavia o Governador tinha por objetivo afastar esse grupo
das atividades palacianas,como tambem poder dispor de um elemento astuto e malicioso.
Os colarinhos que trouxera e outros comprados já estavam reluzentes
graças às lavanderias especializadas,Tinha,assim,todas as condições de poder retornar ao interior.Os jornais vespertinos já haviam noticiado
Dúvidas pairavam na cabeça de Nico,a constituição do estafe.Recebera
uma série de intermináveis indicações para diversos cargos, do próprio
Governador.Marcara, pelo telegrafo,uma recepção condigna a homem
público, Secretário de Estado,a ser homenageado pela população de Encarnação,não contaria com o Prefeito nem o Diretor do Colégio Es-
tadual.Valeu-se,contudo,do Padre Gregório,sempre solícito para esses
eventos,objetivando atender futuros interesses lucrativos.
E o velho trem,que chegava de marcha à ré, recebia com flores,fan-
farra e muito fuguetório o eminente Professor PI.Não faltara, os cele-
bres discursos de saudações,encomendados uns,espontâneos outros,
mas inflamados todos, benevolentes alegrias de inocentes cidadãos,co-
mo sempre acontece, fato comum nesses momentos.Padre Gregório trouxera em procissão a irmandade completa,sendo o primeiro a discur-
sar,enaltecendo as ótimas qualidades do Prof.Assunção.O prefeito man
-dara um representante,sob o pretexto que permanecera na Capital. O
vereador Ananias lembrou os tempos em que Nico fora edil.O Diretor da
Gazeta local aproveitara a ocasião enumerando várias e antigas reivin-
dicações,a principal a formação da cooperativa de laticínios, já que o
leite produzido em Encarnação ia para o município vizinho a fim de ser
beneficiado;outras menos expressivas.Terminada as festividades rece-
ptivas,no dia seguinte,começaram os pedidos e as recíprocas promes-
sas,do Secretário,que por cautela,trouxera significativo estoque de caixas de charutos,cujos selos foram retirados e colocados nos nacio-
nais,tendo em mira oferecer aos amigos e correligionários,evidentemen-
te nas caixas de Havana.Harmonizadas todas as condições,poderia ser
marcada a data da posse.Estavam,o Prof.Assunção e sua familia desim
pedidos para seguirem rumo à capital do Estado.
Nico pensara em fretar vagões de passageiros,levando uma caravana
que participaria da solenidade da posse.Malogrado ficou o Padre Gregó-
ao saber da pouca receptividade,a não ser que fosse subvencionada a
estadia na província.
A PARTIDA DO FUTUROSO HOMEM PÚBLICO
A saida de Encarnação fora sombria,não pelas poucas pessoas que acorreram à estação,mas,principalmente,em razão do impacto que mo-
tivara dona Aurora,Ela mulher comedida,de hábitos simples,preocupa-
va-se como poderia ser o comportamento do marido,ambicioso e astu-
to visando galgar determinadas posições.Preparara-se elegantemente,
com vistoso enxoval,valendo-se da mais cortejada costureira de Encar-
nação, D.Cotinha.
A modista já gozava de certa fama perante o mundo aristocrata femi-
nino da Capital,mercê das senhoras que tiveram a oportunidade de co-
nhecê-la, ao acompanharem seus maridos em missões oficiais a aquele
município.Aurora viu-se premida a procurá-la pelo marido e seus filhos,
até mesmo por seu pai Felipe,sua mãe e irmãos.Dificilmente valia-se dos inatos predicados da esmerada costureira,cujas vestes assemelha-
vam aos famosos costureiros internacionais.Enfim, o "guarda-roupa" de
Aurora estava a indicar que sofreria uma transformação radical na sua
simplicidade,concorrendo com a postura do marido.
O clã da família Assunção partia de Encarnação, deixando para trás um passado cheio de peripécias, marcados por momentos nem sempre
agradáveis.Livrara-se, ao menos momentaneamente, D.Aurora dos co-
mentários desairosos e insistentes sobre a conduta amorosa de Nico
com a então secretária,agora escrivã da Prefeitura,desde a época que
fora alcaide. Na realidade,Adelaide era dotada de atrativos corporais,
esmerava-se em expô-los.Vestidos transparentes e decotados provo-
cavam aguçados olhares,acumulando o vislumbre do requebrado das
nádegas e a vistosa imagem dos alvos seios,que seduziam a atenção
geral.Sempre se constituiu numa figura extravagante para época.Mais
moça, a rapaziada a apelidara de "patriota", maliciosa idéia de que Adelaide estaria pronta a amamentar grande contingente local.Ela se
constituia na maior humilhação para D.Aurora e,o pior,o ilustre Prof. PI
não se resguardava, adotando uma postura imprópria de um homem do
interior.
########## O ##########
O PROFESSOR "PI"-De Delegado de Polícia a Senador da República!
CAPÍTULO II
O Secretário de Agricultura aproveitando a viagem se pôs a escrever
no caderno de anotações, equilibrando-o,porque a bitola estreita dos
trilhos fazia o trem balançar e a fuligem que a locomotiva soltava tor-
nava a viagem desconfortável.Em sua cabeça iniciou-se um processo i-
maginário das oportunidades que teria após a posse.Passavam,em sua
mente,como num filme de ficção,as possibilidades de chegar a ser Se-
nador ou Ministro de Estado.A desmedida ambição que sempre tivera não lhe pouparia os meios para alcançar miores posições,vantajosas e
expressivas.
Tudo isso, somado à vaidade,levara a mandar cunhar uma placa de
bronze com dizeres alusivos à sua posse,fazendo crer que se tratava de uma iniciativa do povo de Encarnação,entregando-a ao porteiro da Secretaria para ser afixada na entrada do prédio principal.
Obrigara D.Aurora a se desfazer de uma joia de estimação que per-
tencera à sua mãe,colar de platina com incrustação de diamantes e ru-
bis verdadeiros, lindíssima, cuja lapidação identificava a origem de ou-
rivesportuguês.A joia passara antes pelo mais habilidoso joalheiro do Rio de Janeiroque a limpara e deixara em condições de nova;destinava-
se à mulher do Governador, de quem se falava ser fútil,vaidosa e de imoderada ostentação.
Para surpresa do Prof.Assunção e de sua família, a chegada fora aus-
piciosa.Não que houvesse banda de música na plataforma da estação,
mas vários futuros auxiliares os esperavam,desejando-lhes boas-vindas. Entre os presentes encontrava-se até o futuro secretário do Governo,representando-lhe e,que de fato,tomaria posse no dia imedia-
to.
As providências dos interesseiros auxiliares deixaram o Prof.Assunção
meio irrequieto e em posição dificultosa,haviam reservado hospedagem
no majestoso Hotel Cassino Astória,em que ele estivera antes.Com su-
tileza,dispensou o dito hotel,justificando-se e forçando um semblante de modestia, preferia instalar-se em local mais simples.A razão não re-
sidia na desambição, e sim porque tivera ligeiro romance com uma das camareiras quando lá estivera,cumulando o motivo com o namoro de uma dançarina do cassino.
A noitinha deixava o hotel em que ficara, justificando-se à D.Aurora que teria uma reunião com o Governador.Despediu-se da esposa e par-tiu de taxi para o Hotel Cassino Astória.No hotel, com seu inseparável e espalhafatoso charuto,começou a envolver os circunstantes com mi-
rabolantes planificações e projetos,que marcariam radical mudança na
agropecuária do Estado.Desenvolvimento,implantando novas técnicas de cultura e criação,conforme anunciara antes de assumir o cargo. Nessa oportunidade encontrou velhos amigos,políticos,correligionários
e,talvez, futuros colegas.
O desejo maior consistia na ansiedade de avistar-se com a bailarina
de dias memoráveis. Nicomedes recebeu convite do Secretário do Go-
verno,Dr.Camacho,para conhecer o salão de jogo,relutou um pouco porque entendia não ser condizente com a pessoa de futuro Secretá-
rio de Estado.O convidador insistiu,argumentando,que não era preciso
jogar,apenas conhecer o esplendoroso salão,em que estavam presen-
tes inúmeras autoridades governamentais.Nico aquiesceu,seria indelica-
desa rejeitar o convite,partido de uma figura singular,expansiva,moder-
na,de alto grau de entrosamento e comunicação.O salão sem qualquer coluna central de sustentação,tinha mil metros quadrados e pé-direi-
to de cerca de seis metros,tornava-o grandioso.Seus lustres compu-
nham a beleza do ambiente,propiciavam feérica luminosidade.Nele abri-
gavam numerosas mesas de jogo,sobressaiam quatro roletas,que se constituiam como grande atração daquele espaço.Os frequentadores
absortos nas diferente mesas não davam a menor atenção à entrada ou saida de outros jogadores.Nicomedes ficou maravilhado com tudo
aquilo,não tinha a menor idéia com o fulgurante lugar.Dominou-se,evi-
tando extravasar sua admiração,não se deixaria influenciar, a ponto de arriscar-se na tentação de jogar.Os dois acompanhantes, Dr.Camacho e o auxiliar,matreiros "habituée", logo entenderam a posição reservada do futuro Secretário,incitaram para que ele tentasse a sorte, mesmo que fosse modestamente.Nico resolveu arriscar, dirigiu-se ao caixa e
comprou 200 mil reais em fichas,pois a aposta mínima naquele salão era a metade daquela importância.Pareceu-lhe que a roleta seria não só mais atrativa como mais fácil de aventurar-se,as outras mesas a complexidade afastava sua aproximação.Parou diante de uma das qua-
tro e ficou a observar como proceder.Achou melhor jogar no número 13
e no vermelho.Como sempre acontece aos neófitos de jogo não deu outro resultado e o "crupiê" proclamou "vermelho 13", ganhara duas vezes numa só tentativa.Juntou-se à sua frente aquela quantidade de
fichas,não sabia o que fazer.Seus acompanhantes insistiram que deve-
ria continuar, a sorte estava ao seu lado, é o que diziam.Nicomedes num rasgo de pensamento decidiu:vou parar,esse dinheiro não pode voltar ao cassino, jmais ganhei tanto em tão pouco tempo, sem esfor-
ço.Dirigiu-se ao caixa e trocou todas as fichas,saiu realizado.Antes de
se ausentar do cassino,comentou com o secretário do governador,a aposta é muito alta,fez comparação com o capital empregado na fa-
zenda,cujo risco não a aquele valor.Rebateu o Dr.Camacho,há uma outra dependência do cassino mais modesta, o "cemitério", aonde se joga um mínimo de 10 mil reais,não lhe mostrei porque os frequentado-
res são reles figuras.
A POSSE
O Prof.Assunção,com tanta agitação,não preparara o discurso de posse,mas confiava no seu dom oiratório e o improviso surtiria maior im-
pacto nos presentes à solenidade.Assumiu o cargo com uma oração cheia de retórica,cansativa pela falsa autobiografia,ressaltando sua austeridade e profundo conhecimento sobre o campo,não faltando pro-
messa de fomento à produção,lugar comum de novos dirigentes das pastas de agricultura nos diferentes Estados da União.A solenidade transcorreu normalmente.De Encarnação viera uma delegação compos-
ta do Prefeito,vereadores,o Presidente da Câmara e o padre Gregório. A mistura de perfunes,a maioria vulgar,tornara o ambiente sufocante e
desagradável,viciando o ar, graças a fumaça dos cigarros.
As atenções deixaram de ser para o Secretário e se voltaram para D.
Aurora,não pelos seus dotes físicos e beleza,mas sim em razão do "tail-
leur",duas peças comedidos,denotava linha de alta costura.Ela,porém,
na sua simplicidade informava a todos que sua costureira era D.Cotinha
de Encarnação.A maioria não acreditava e imaginava que aquelas pe-
ças foram importadas da França do estilista Pierre que, ocasionalmente
se encontrava na Capital,contratado por um grande magazine.
Formado o gabinete,escolhido auxiliares e dirigentes das diversas áreas,atendendo sempre as indicações emanadas dos escalões superi-
ores,marcou o Secretário,de imediato,uma reunião,para ditar normas de trabalho,acentuando que adotaria mudanças radicais na agricultu-
ra do Estado.Teve,logo de início,sério problema,na escolha da secre-
tária, função exercida por antiga funcionária,provecta,"balzaqueana",
muito criticada pelo temperamento impositivo e arrogante,todavia efi-
ciente e conhecedora dos meandros da repartição.Pensava,entretan-
to,trazer de Encarnação Adelaide, temia a reação de Aurora,quando tomasse conhecimento do fato.Preocupava-se com o desfecho da lembrança,buscando um derivativo.Chamaria,inicialmente, Iracema, a
bailarina do cassino,embora parecesse que ela não dispunha de apti-
dão para o exercício da função,nem se subordinaria ao horário da re-
partição.Seria,porém, um atrativo no gabinete.Tudo isso não impediu de convidá-la,recomendando-lhe que viesse em trajes sóbrios.Feito o
convite, ela aquiescera.
Surpreendido ficou quando anunciaram a presença da bailarina em seu gabinete.
Iracema mantinha extravagante conduta,quando terminava o show em que se apresentava.Às 4 horas da madrugada,subia ao camarim, despia-se totalment,colocava sobre o corpo nú um roupão branco,des-cia a rampa do cassino,dirigia-se à praia, na areia,próximo ao mar, tira-va o chambre,fazia poucos exercícios e pulava na água.Repetia isso todos os dias, mesmo com ameaça de chuva.Nadava um pouco,30 a 40
minutos,até a chegada dos leiteiros,que,de casa em casa,distribuia o precioso líquido.O informe daquele singular comportamento correra rá-
pido,não entre os aficionados e frequentadores do cassino,mas junto aos remadores que colocavam no mar os barcos dos clubes locais.A ra-
paziada logo tomou conhecimento do inusitado fato e não se importava
acordar às 3 ou 4 horas da manhã só para presenciar o espetáculo.Jun
tava-s,ao longo do cais, expressivo número de jovens todas as manhãs
e Iracema indiferente colocava o roupão e voltava para p cassino. A polícia não adotava qualquer medida coercitiva.Quase todos seus inte-
grantes a conheciam e o próprio chefe de polícia era um "habituê"joga-
dor do cassino.Assim,o atentado ao pudor ficava relegado a plano se-
cundário.
A chegada de Iracema ao gabinete do Secretário não poderia ser di-
ferente,constituiu-se em uma grande surpresa,em face dos anteceden-
tes da venturosa bailarina.Maquiavelicamente tramou o não afastamen-
to de D.Dalila, permaneceria ela no cargo,ficando Iracema como auxiliar
até assessorear-se da complexa função.
Vestido decotado,cores vivas,joelhos à mostra,cabelos mesclados,voz
sensual,ligeiro tique de bailarina compunham seu visual.
********° ********
As atividades do Secretário Assunção tornavam-se rotineiras.Encon-
tros politicos se realizavam no bar do Hotel Astória quase diariamente e
isso chamavam a atenção geral, explorados no noticiário dos jornais. A
figura do Secretário crescia, por seu dinamismo e atividades.Criara um
serviço de atendimento ao produtor,que poderia adquirir sementes,adu-
bos,ferramentas,inseticidas e máquinas agrícolas,subvencionadas pelo
Governo,que se mostrava entusiasmado com o alto grau de empreendi-
mento praticado.Contudo,alguns entraves existiam,negava-se a libera-
ção de faturas da compra de 250 pequenos tratores,feitos pela gestão
anterior.Justificava-se que se estava apurando a lisura da aquisição,
pois no atual governo não comportava pagamentos suspeitos. Escondia-se nesse procedimento, tentar conseguir razoável propina.
O representante da firma credora se mostrava exausto com as idas e
vindas à Secretaria.Não conseguia entrevistar-se com o Secretário,
sempre ocupado,em reuniões intermináveis,que impossibilitavam aten-
dê-lo.Certa oportunidade presenciou uma cena inusitada,de que fora protagpnista um jovem vindo de Encarnação, que insistia falar com As-
sunção.O mancebo de nome Francisco, deixara de ser Francisquinho,fi-lho de uma funcionária da Prefeitura,mas sim atlético rapagão,capaz do desagravo antes pressagiado.D.Dalila,ainda no gabinete,recomendou
a Iracema que contornasse a situação,valendo-se dos seus atrativos
pessoais.Habilidosa,experiência solerte de bailarina do cassino insinuas-
se a Francisco um encontro,que propiciaria maiores conhecimentos da
Capital e depois,teria condições de marcar audiência com o Secretário.
Repisava,veementemente,Francisquinho, em altos brados,esse homem é um anormal,sem compustura,oportunista,aproveitador de situações para exteriorizar suas imoralidades.
-Eu prometi e aqui estou para vingar-me o desrespeito dele em minha
ca.Aquela atitude obrigou D.Dalila intervir e controlar o conflito,preste
a explodir.
Tudo fora assistido pelo representante da firma dos tratores,ávido em
receber suas faturas.Conversou com o rapaz e resolveu arquitetar dia-
bólico plano capaz de surtir efeito à liberação dos créditos.
Passados alguns dias voltou com sua "senhora" ao gabinete do Secre-
tário de Agricultura, fazendo-se anunciar.A "senhora" fora recrutada de um afamado "bordel" da Capital.Bem vestida,perfumada,pintura es-
plendorosa, "ar" de manhosa criatura,mantendo,porém semblante sério.
Não largava o braço do renitente cobrador,demonstrando inoportunos
colóquios amorosos.
A perspicaz Iracema não se iludiu com a fisionomia estranha da se-
nhora,algo de anormal havia, mas nada disse,apenas introduzira o casal
no gabinete de S. Exª o Secretário.Alguns minutos de conversação,
desculpas de ambos os lados,o reoresentante comercial justificou a pre
sença de sua "senhora" e o secretário entusiasmado com a figura dela,
enalteceu os lindos dotes de beleza,inocentava-se,alegando inúmeros afazeres que impediam de não só recebê-lo,como também mandar qui-tar as faturas.As posições foram neutralizadas,permitiram ao Secretário
indagar a onde se encontrava o processo de empenho dos pequenos tratores,propiciando que ele ficasse sozinho com aquela deslumbrante
dama.Ausentando-se por momento do gabinete o representante co-
mercial, facilitou o ilustre Secretário, Professor PI,não apenas galante-ar a "distinta senhora" e convidá-la para um chá no dia seguinte.
Tudo acertado,o Secretário condicionou liberar o processo dos trato=
res até o finalda semana, cinco dias após o encontro com a "mulher" do
preposto comercial.Seguiu-se o chá à tarde na Cofeitaria Alhambra,se-
guiu-se o convite,cheio de formalismo,para estarem a sós num aparta-mento do cassino,o que evidentemente foi aceito.Após o encontro foi
liberado o pagamento e violenta infecção das vias urinárias no Profes-
sor PI,somente debelada com o doloroso tratamento,de 8 em 8 horas,
do milagroso antibiótico,surgido quando da 2ª guerra mundial, a então
famosa penicilina.
Se,Assunção pouco procurava sua mulher,D.Aurora,mais se afastou dela,atendendo recomendações médicas,em face do perigo de trans-
missão da doença,o que levaria seis meses para cura.Resolveu,então,
planejar uma viagem a serviço,de carro,em visita aos município,quando
apresentaria um plano de trabalho e o incentivo à agricultura.Havia um
problema a ser contornado,quem aplicaria o fabuloso antibiótico de 8 em 8 horas, não poderia levar o farmacêutico da esquina do hotel cassino,muito menos Iracema,que eventualmente ministrava a injeção.
Essa particularidade propiciou Iracema tomar conhecimento do mal que
afetava o Secretário,como capacitar-se da desconfiança que a mulher
não era esposa do cobrador da dívida dos tratores.
O subterfúgio da viagem trouxe ao Professor PI proveitoso benefício.
Além da popularidade que ganhara,permitindo-lhe uma gama de bons
negócios e preciosos presentes,em especial várias matrizes de gado
leiteiro,remetidos diretamente à sua fazenda em Encarnação.Dos con-
tatos nasceu a lembrança do nome do ilustre Secretário,"disseminador
de um moderno sistema de fomento à produção",a candidatura ao Go-
verno do Estado.
Mas, nem tudo eram rosas, a oposição sistemática à sua pessoa,aflo-
rava em toda parte,sem levantar,todavia,suspeita à conduta como ho-
mem público.
Assunção voltou à Capital,envaidecido e esperançoso de ver sua me-
ta encaminhar-se à futura realização.
Mostrava-se mais solícito e acentuado rebuço de político,valendo-se como semore do infecto charuto.Procurou traçar planos,que se cumpri-
riam no exercício do cargo.
Seguem-se, conforme mencionado no início,as sanções penais
às quais estavam sujeitos os protagonistas dos fatos narrados,
especificando-se apenas as incidências do Código Penal.
ESTELIONATO - artº 171 - Obter,para sí ou para outrem,vantágem ilíci-
ta,em prejuizo alheio,induzindo ou mantendo alguém em erro.mediante
artifício,ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
PENA - reclusão de um a cinco anos,e multa.
FURTO - artº 155 - Subtrair, para si ou para outrem,coisa alheia móvel.
PENA - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA - Artº 168 - Apropriar-se de coisa alheia mó-
vel,de que tem posse ou a detenção.
PENA - reclusão de um a quatro anos, e multa.
EXTORSÃO - Artº158 - Constranger alguém,mediante violência ou gra-
ve ameaça,e com o intuito de obter para sí ou para outrem indevida vantágem econômica, a fazer,tolerar que se faça ou deixar de fazer al-
guma coisa.
PENA - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
COAÇÃO - ARTº 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem,não manifestamente ilegal, de superior
hierárquico,só é punível o autor da coação ou da ordem.
TRAFEGO DE INFLUÊNCIA - Artº 332 - Solicitar=, exigir,cobrar ou obter,para sí ou para outrem,vantágem ou promessa de vantágem, a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício
da função.
PENA - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
FALSA IDENTIDADE - Artº 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa
identidade para obter vantágem,em proveito próprio ou alheio, ou para
causar dano a outrem.
PENA - Detenção, de três meses a um ano, ou multa.se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
CONTRABANDO - Artº334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou
iludir,no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido
pela entrada e saida ou pelo consumo da mercadoria.
PENA - reclusão,de um a quatro anos.
EXERCÍCIO ARBITRÁRIO - ARTº345 - Fazer justiça pelas próprias mãos,
para satisfazer pretensão,embora legítima, salvo quando a lei o permi-
te.
PENA - Detenção de quinze dias a um mês, ou multa,além da pena correspondente à violência.
A SEQUÊNCIA DOS TRABALHOS DO SECRETÁRIO
Poucos meses faltavam para completar um ano de gestão do Prof.As-
sunção à frente da Secretaria de Agricultura.Os trabalhos transacor-
riam normais, exceto o eterno problema da falta de recuros que impe-
diam maiores empreendimentos.O principal imprevisto ocorreu nos ca-
fezais do Estado,cujos grãos foram atacados pelas chamadas "brocas",
praga que dizimou todas as plantações.De início o combate se deu com
um violento inseticida,chamado BHC, causador de constrangedora into-
xicação em quem os aplicava.resultou em duplo trabalho: o combate e
a recrutação de equipes médicas para socorrerem os trabalhadores ru-
rais. Ainda assim,o Prof.PI ficou empolgado com o trabalho executado,
primeiro porque demonstraria sua capacidade administrativa de extin-
guir a praga, depois conjeturou ganhar um bom dinheiro na compra do
inseticida. Os agrônomos se desdobravam para alcançar algum êxito,
sem trabalho prático e imediato. Enquanto isso a exportação da rubiácia decrescia, mas Nico cada vez importava mais BHC,auferindo vantágens nas compras junto aos fornecedores.