Era só um Menino...
O menino só era a companhia da mãe. E a mãe levava o menino onde quer que fosse. Ela o levava porque não podia ir só. “Mulher que é mulher direita não anda só na rua”, determinava o costume da época. Preceito e preconceito. E a mãe levava o menino só.
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Primeiro Passo
A mãe e o menino só passavam pelas ruas indo e vindo. Passavam pelo mural propaganda do analgésico. O menino só via a estampa no azulejo do mural com uma louca arrancando os cabelos. A mãe explicava que ela, a mulher da propaganda, estava com dor de cabeça e o remédio prometia alívio imediato.
Segundo Passo
No percurso passavam por aquele jardim. Fazendo a divisa com a calçada pública havia uma cerca viva toda florida. A flor era de uma mimosidade incrível e por isto é conhecida por “mimo de vênus”.
Terceiro Passo
A mãe e o menino só passavam pela loja do sobrado. Havia diversos brinquedos: bolas, bicicletas penduradas, carrinhos mil. A mãe sempre prometia que no natal compraria aquele brinquedo – que nunca chegou.
Quarto Passo
A mãe e o menino só iam ao médico. A mãe tirava chapa e vestia camisolão. O menino só via... Não entendia o “xis” daquele raio.
Quinto Passo
A mãe e o menino só iam à Matriz. Era Natal. O presépio ficava na capela do “senhor-dos-passos” – não do menino, do próprio passo do santo. O menino só via o outro Menino de barro deitado na manjedoura e adorado por todos. O menino deixava a mãe ali rezando e ia medir os passos do átrio do santuário. O espaço era enorme e o menino só sentia a dimensão da liberdade – corria para todos os cantos e via a cidade do alto daquele pátio.
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Passava o Natal e veio outro e outro e outro e mais um Natal.
Os mimos de Vênus fizeram do menino homem que conta memória segundo os passos de um menino – não do Menino de Barro, mas do menino vivo.
São tantos os natais que a cidade mudou tanto que o menino não mais a reconhece. E a cidade também se esqueceu do menino só que agora dorme tranquilo e desperta sempre dentro do adulto.
Leonardo Lisbôa,
Barbacena, 09/12/2014
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