Cirrus

Estou aqui no litoral ao lado da mulher mais espetacular que já encontrei. Ela está deitada no banco, do outro lado da mesa na qual uso para apoiar o papel e a caneta para registrar meu encanto, repousa distraída enquanto eu suspiro. Fico aqui alternando entre seu rosto e o papel. Admiro esse tipo de beleza quase intocada (e no meu caso, intocável). Não que Didi seja perfeita, ao contrário, conheço várias características dela que para outros são defeitos: A depressão, a epilepsia, a personalidade introspectiva e perturbadora... Mas não, isso só aumenta o brilho que ela já naturalmente possui, me atrai como um imã. Fico aqui olhando para ela, enrolada em uma toalha, dormindo como um anjo, ela jamais será tão linda como é agora (ou será?). Sinto-me um pouco arrebatado.

Mas o dia não começou as dezoito da tarde, com o Sol indo embora pouco a pouco, não! Começou cedo, na madrugada, quando não consegui dormir e fiquei olhando o nada enquanto acariciava minha gata, sempre no meu colo, pedindo carinho. Depois, frente ao tédio, pulei no carro e fui rodar pela cidade. Lembrei-me de comprar alguns remédios básicos, analgésicos e sais de fruta, depois estacionei num ponto estratégico e cochilei por alguns minutos, frente a uma praça, com o Sol quase nascendo. Por volta das seis e vinte da manhã fui buscá-la. Estava usando um vestido bastante simples, azul e rosa, sem muito adorno e ainda sim, ela chama mais atenção que qualquer um. Parece que rouba as cores do mundo e tudo ao redor dela desbota e desfoca, enquanto ela e somente ela possui cores.

Fizemos a descida para o litoral rindo e curtindo nossas canções. Foi tão divertido. Fazia muito tempo que meu velho espírito não se sentia tão vivo, tão feliz. Ao chegar, de imediato, fomos caminhar na praia, através da areia e claro, Didi estava ansiosa para molhar os pés, segurou meu braço e me arrastou para a beira-mar, sorrindo. É um sorriso muito bonito, muito simples. Didi possui essa característica única: O olhar mais enigmático e o sorriso mais simples. Fomos até as pedras mais altas, na encosta, para ver a praia e o vasto mar. Sentados ali, no sagrado silêncio (poucas vezes quebrado), tudo parece tão completo.

Logo que descemos, o Sol já vinha alto e quente, Didi, com seu jeito expressivo e ao mesmo tempo silencioso, me puxou para beira mar e ficou olhando as ondas.

"Quer entrar no mar Didi?"

"Quero!"

Eu já sabia mas é sempre engraçado vê-la responder. É algo muito meu, gostar dessas reações dela. Para a maioria seria apenas irritante.

Ela tirou a sapatilha (esqueceu os chinelos em casa), e logo em seguida puxou o vestido e o jogou sobre os calçados. Devo dizer parceiro: Fazia tempo que não me acelerava assim. Que corpo maravilhoso e quente, o

biquíni escondia e mostrava as partes exatas para alimentar a imaginação dos loucos. Os seios de tamanho entre pequenos e médios, que passam juventude e inocência, as coxas bem delimitadas em relação ao corpo, a pele perfeita, a bunda firme e arrebitada já dava ares de mulherão em contrapartida. Imagino-a nua, não resisto, envolta por uma serpente e devorando uma maçã. Sou um depravado sem salvação. Porém, com ela não é só isso: Eu sonho com mais que uma noite e me pareceu ainda mais loucura cogitar um beijo ou qualquer algo mais.

Entramos no mar e nadamos pelo resto da manhã, deixando de lado estes delírios. O mar estava calmo, as ondas apenas balançavam para lá e para cá. Relaxante. Fico intrigado, por demais, com esse pedaço de fantasia ao meu lado. Nessa extensa e vasta praia, tenho quase que certeza absoluta que são todos previsíveis (só me deixo o privilégio da dúvida e a esperança de estar errado), mas Didi é a personificação do mistério, deusa grega da incógnita. Não consigo entendê-la, prevê-la (e prendê-la).

Voltamos para casa depois de nadar por horas, praticamente a manhã toda. Almoçamos macarrão instantâneo. Depois resolvemos tirar um cochilo. Didi dormiu como um anjo e eu, com todo meu histórico e guerra contro o sono, apenas cochilei por meros minutos.

Ela acordou no meio da tarde cheia de energia. Queria andar de bicicleta e o Sol estava castigando. Mas não quis estragar a festa, decidi acompanhá-la. Pedalamos até a praia do sonho, a primeira praia do centro de Itanhaém. Há uma belíssima rebentação lá, belíssima. Contemplamos o mar por não mais que alguns minutos, que pareceram uma eternidade para mim, foi como viver e morrer e voltar a nascer toda uma vida. Falamos sobre os outros e o quanto são meramente os outros, sobre a vida, sobre ela. Ensinei-a a entender as nuvens, seus nomes e variedades. Depois ela me paga um sorvete e voltamos para a praia, ficamos lá mais algumas horas, com o mar um pouco mais arredio e por fim, casa.

De repente me pego pensando no quanto a vida é deveras cruel: Me dá lampejos do paraíso apenas para deixar claro que não é para mim, nunca será. Nunca estarei lá. Amo a companhia de Didi, amo-a. Mas pensar que esse encaixe perfeito foi feito para ocupar outro espaço vago, vago como os homens, como qualquer outro homem, me embrulha o estômago. E mais uma vez, o que pode ser feito? Só me resta engolir seco e encarar de frente.

Chegamos por fim ao começo desta crônica, quando voltamos e estou observando Didi descansar no banco, ela se levanta e vai dormir na cama improvisada. E eu fico aqui escrevendo um rascunho do que viria a se tornar esta crônica. Dez anos escrevendo e ainda não entendi o que estou tentando dizer com tudo isso. Subo as escadas e vejo ela enrolada em uma toalha, dormindo, com as pernas e a bunda de fora. Que visão. Me dou o direito de ver isso por alguns minutos. Um pouco de sorte afinal. Ela pediu que eu a acordasse em alguns minutos, mas não consigo perturbar seu sono dos anjos. Ela parece um anjo quando dorme. E eu fico aqui corrompendo a beleza desse anjo com meus desejos sórdidos e carnais.

Contudo, sinto um grande espinho infincado no peito: Cabe-me apenas olhar, sem tocar. Nutro por ela um sentimento imenso e arrebatador que me confunde e traga para baixo como gravidade. Didi é a luz e eu sou a mariposa. Didi é o leito e eu sou o rio. Ela é e eu sou. Como alguém assim pode existir e causar-me isso? Não agora! Não depois de acreditar que já estava preparado para tudo e nada mais me surpreenderia. Mas eis que ela vem como uma nuvem que anuncia mudanças, tímida e aparentemente pequena demais para causar problemas. Mas essas nuvens pressagiam frente fria, ou o fim de uma. O que será ela? Alguém que congela ou alguém que derrete o mar? Que tipo de mudança trás ela para minha vida? Tem coisas que nunca entenderei ou terei respostas (e isso me incomoda um pouco).

Preparo o carro, limpo a casa, guardo as malas, ponho a roupa suja numa sacola, arrumo os pertences dela que estão espalhados sobre a mesa para quando acordar ficar mais fácil de se organizar. Por fim, pego minhas coisas em silêncio e vou tomar um banho. Ela acorda com o barulho do chuveiro. Escuto seus passos um pouco perdidos. Assim acaba nossa viagem a praia, inesquecível. Mais algumas brincadeiras e logo chegaremos em casa. A estrada é longa mas eu tenho Didi ao meu lado. Tenho a noite toda...

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 29/12/2014
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T5084133
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