Dia do Expedicionário
Levantei bem cedo, costume meu. Esta noite tive um sonho. Não diria que tivesse sido um sonho, posto que se tratasse de um fato que realmente ocorreu na minha juventude. Mas, dormindo, estas lembranças se pareciam com um sonho.
O mundo todo ainda sofria pelos resultados da Grande guerra. Corria o ano de 1.975, 05 de maio. Apenas 30 anos nos separavam do “Armagedon” ocorrido nos campos da Europa e as marcas desta hecatombe suicida se faziam presentes em todos os cantos da Terra, prelúdio do final dos tempos.
Convivi de alguma forma com diversos homens que viveram e sentiram de corpo e alma os horrores deste acontecimento, já oficiais ainda em serviço ativo no ano de minha narrativa.
Lembro-me de histórias de guerra e de guerrilhas, que ouvia do coronel Marcondes, quando fui seu soldado ajudante de ordens na secção de relações públicas do Comando Militar do II Ex.
Pois bem.
No Teatro Municipal da cidade de São Paulo, magnífica e respeitada obra de arte de engenharia e arquitetura de Francisco de Paula Ramos de Azevedo, acontecia uma celebração cívica em homenagem aos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira, no dia de sua comemoração. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida pelo maestro Eleazar de Carvalho, abrilhantava a comemoração, com dignidade e merecimento de estar entre os maiores do mundo.
O teatro estava lotado com ilustres convidados desde a classe aristocrática paulistana até os poucos homenageados, já nesta época reservistas e ativos de alta patente militar, mas que em 1.944 eram pracinhas, acreditem, de coragem e destemor que devem nos encher de orgulho.
Não é patriotismo piegas. Não é. Mas, eu me ufano de ser brasileiro.
E a orquestra, no auge das apresentações passou a executar a Marcha dos expedicionários. Houve grande comoção no teatro, levando militares de duro cerne e ex-pracinhas às lágrimas.
De fato. Eu escrevendo aqui sinto na pele e nos meus olhos, que me custam a controlar a emoção, aquele espetáculo.
O fato é que, em partes da canção deveria haver disparo de canhões. Houve a requisição de 03 blindados “Shermann” tanque de guerra movidos por esteiras e que ficavam expostos no pátio do Regimento de Cavalaria mecanizada, imponentes e asustadores.
Mas, os oficiais julgaram que seria catastrófico o disparo de canhões no vale do Anhangabaú.
Penso que nem tanto por estilhaçarem, com o deslocamento de ar, as vidraças dos prédios ao redor do vale, mais por prejudicarem a beleza arquitetônica do teatro, com seus lustres centenários feitos do mais fino cristal da Terra, os quais eu tive o prazer de ver, com meus olhos extasiados de menino soldado do Exercito Brasileiro.
Opto-se então por disparos menos contundentes de fuzis automáticos leves, dentro e nos bastidores do teatro. Portanto, treinamos nos stands de tiro da nossa companhia por vários dias e esta foi a minha participação neste fato.
O fato que esta nossa participação deu um tom realista e assustador de um teatro de guerra.
Por 03 vezes alternadas disparamos nossos fuzis no interior do teatro, atrás e distante do palco.
O som dos disparos, quase uníssonos, aliados à fumaça inevitável e o cheiro da pólvora provocaram enorme comoção aos convidados, em especial àqueles que relembraram as ações na Europa. Lágrimas rolavam nos rostos daqueles veteranos, endurecidos pelo sofrimento.
A orquestra interrompeu a apresentação e pesado silêncio caiu sobre todos os presentes, interrompido aqui e acolá por soluços incontidos de nossos heróis combatentes ou de familiares que perderam seus parentes nos horrores da guerra. Eu, inconscientemente, acariciava minha roupa verde-oliva…
Pois bem.
Levantei-me então e ao ligar a televisão, vi de relance no noticiário Globo News, a imagem do Teatro Municipal. Lembrei-me então de Carlos Gomes, cuja obra “O Guarani” e a encenação da ópera “Hamlet” marcaram a inauguração deste teatro. Ouvindo Carlos Gomes e navegando encontrei documentário sobre o 1º Grupo de Aviação de Caça e sua atuação em defesa dos homens de boa vontade.
Tanta demonstração de desprendimento e força, heróis que deveriam se tornar lenda e obrigatoriedade de serem partes de currículo de educação em nossas escolas, na Moral e no Civismo. No entanto, o que tristemente vemos é uma juventude perdida e desorientada, de natureza que desconhece o pejo. A eles deixo a mensagem, tomada de Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac:
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...
Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!
(em São Paulo, a 28/12/2.014)