O meu pé de limão-galego

Moro numa chácara, quase no centro da cidade. É um real privilégio. Mas há mais de seis anos, por motivo de trabalho, não cuido de meu terreno. E, assim, os capins e ervas daninhas tomaram conta dele.

Creio que antigamente eu seria chamado de desleixado. Agora posso dizer que estou contribuindo para o seqüestro do carbono da atmosfera. Crescem, por aqui todos os tipos de capins exóticos danosos, trazidos da África, da Austrália, lugares remotos e de arbustos espinhentos. O capim-navalha, particularmente incomoda muito, já que toma conta do mundo, sem as zebras e gazelas para controlá-lo. E minhas árvores frutíferas estão tomadas por ervas-de-passarinho. Tinha três pés de limão-galego, que secaram.

Tais pensamentos acorrem quando, naquela que talvez seja a minha última visita profissional, ao subir uma ladeira empinada, paro um pouco para respirar e vejo os magníficos pés de limão, carregadinhos. Admiro as jovens árvores cheias de pujança e lembro do meu terreno. A agente comunitária que me acompanha comenta que aquele morro tem muito limão e tangerina.

Logo chegamos à modesta casa de seu Jaime. Vítima de um derrame ele não consegue se locomover muito bem e depende dos cuidados da filha.

Entramos e encontramos o seu Jaime sentado. Estava me esperando, aguardando o sol esquentar para tomar banho, com o auxílio da filha.

Faço uma consulta rápida, examino-o, verifico se está precisando de alguma coisa. No prontuário uma curiosa anotação quase taquigráfica, de cerca de dois meses atrás, informa que a filha solicitou uma declaração de lucidez, para fazer uma procuração para recebimento de aposentadoria. O registro informa que ele não está lúcido, com a conclusão: “não forneci a declaração”. Quem não forneceu fui eu mesmo. Preocupado, pergunto como ela resolveu a situação.

- Ah! O doutor Tedi me deu a declaração. Papai estava melhor naquele dia e respondeu tudo certinho.

Pergunto as clássicas questões. Que dia é hoje? Que lugar é esse? Quem é essa moça?

- Essa moça? É Mariazinha?

- Não, papai, sou a Helena! – e dirigindo-se a mim – ele sempre gostou mais da Mariazinha!

Despeço-me a saio. Trinta de maio, dia frio, limoeiros carregados, minha última visita, meu contrato de trabalho vence amanhã e não vou renova-lo. De volta à velha vida.

Na descida colho um limão. Está agora na minha mesa. Um amarelo gema-de-ôvo de limão-galego verdadeiro. Vou fazer umas mudas com os caroços e plantar; terei de volta o meu pé de limão-galego.