Escolhas

Por: Rafael Dias Jr.

Escolhas

Depois que eu fiz trinta anos, que deixei de escutar Legião Urbana, que deixei de ser liberal e também comunista, descobri que a coisa mais difícil do mundo é fazer escolhas.

Na busca incessante pela felicidade, nos lançamos em diversos projetos e meios para encontrar isto que seria a finalidade da vida segundo o filósofo Aristóteles. Ouvi muitos conselhos que diziam para eu me esforçar muito para obter sucesso e ser “alguém na vida”. Ouvi muito isso, principalmente dos meus pais. Não fui um aluno tão aplicado, mas, em certo sentido fiz o meu dever de casa. Existe um projeto que a sociedade lhe oferece e que a maioria das pessoas deseja ou segue. Bem como também existem todos os outros milhares de caminhos que estão disponíveis ou ocultos no decorrer desta jornada que chamamos de vida.

Quem dera que todo projeto ou ideologia da felicidade funcionasse como uma fórmula química ou receita de bolo bem feita. Onde as variáveis são ínfimas e o resultado é sempre muito próximo daquilo que foi prometido.

No último capítulo das novelas a mesma cena se repete. Os amantes que sofreram durante toda a trama se casam e os inimigos terminam presos ou morrem em algum acidente trágico. É um ato de purgação, mas também de êxtase. Enfim encontra-se a felicidade e realiza-se a finalidade da vida através do matrimônio, que poderia ser traduzido por um impulso biológico da espécie humana para procriar e garantir as futuras gerações e a morte dos inimigos, que seria nada mais nada menos do que livrar-se das pessoas que possuem projetos diferentes dos nossos e são obstáculos para realizarmos nossos desejos tranquilamente. Parece-me que, de forma quase inconsciente, esse é o projeto de grande parte das pessoas.

Depois de alguns anos de casado, faz-se a constatação de que a pessoa que você escolheu para passar o resto da sua vida junto, de maneira irrevogável na esfera religiosa e de maneira reversível muito trabalhosa no âmbito do direito civil, não tem os mesmos planos e nem anseios em comum. Logo, por mais legal que seja a pessoa que esteja ao seu lado, ambos passam a viver numa espécie de campo de concentração existencial, onde se vive acorrentado a escolhas que são diferentes dos seus desejos. Por mais que se faça aquilo que é certo aos olhos de todos, sempre vai ficar alguma coisa lhe incomodando lá no fundo da sua alma, como se fosse a sensação dolorida de calçar um sapato apertado ou degustar uma comida sem sabor.

Também é assim em outros aspectos da vida como a profissão que escolhemos. É bem verdade que desde que Adão caiu em desgraça, todo homem (e toda mulher também, para não esquecer as questões de gênero) é obrigado a tirar o seu sustento com o preço do suor do rosto. Independentemente de alguns trabalhos não suarem tanto (como o meu que sou professor e dou aula numa sala climatizada) e alguns indivíduos não seguirem esta regra como meio para proverem suas necessidades, a exemplo dos abastados de linhagem e os corruptos brasileiros, o fato é que a profissão que exercemos ocupa uma parte considerável deste tempo que chamamos de vida. Vivemos em um país onde grande parte das pessoas não podem se dar ao luxo de escolher o trabalho. São obrigadas pela necessidade a fazerem qualquer coisa de forma muito penosa para receberem um salário que é chamado de mínimo. Mas alguns bem aventurados fogem a esta regra. Seja pelo talento pessoal ou pela posição social que ocupam, escolhem o seu trabalho. O que deveria ser um privilégio transforma-se numa angustioso dilema. A sociedade mais uma vez tem as suas preferências que não são só de cunho valorativo, aquilo que é melhor, mais importante, etc. Tem uma questão prática também: o capital, esta coisa mágica que lhe dá o poder de realizar a maioria dos desejos materiais. O problema é que tem coisas que se compram com dinheiro e outras não. Nem todas as necessidades são sanadas com o cartão de crédito. Muitas vezes fazer algo que contraria o seu desejo é como estar casado com uma mulher rica que você não ama e nem te dá prazer. Mas, amar na pobreza extrema também destrói qualquer relacionamento. Bem aventurados são os jogadores de futebol, os artistas e os que trabalham por vocação, pois aliam o sucesso com o deleite. Infelizmente é uma realidade muito restrita. A maioria vai ter que escolher ou aceitar o que aparece.

Enfim, para não esticar mais o texto, ainda mais nesta era da comunicação instantânea e descartável, vou externar a minha conclusão parcial sobre as questões que foram colocadas acima. Nesses meus anos de vida, o principal aprendizado que eu adquiri até hoje foi que a verdadeira sabedoria consiste na arte de escolher. Por mais que eu deseje, não vou poder ter tudo que eu quero. Nem o homem mais rico e nem o mais equilibrado podem. Então, necessariamente vou ter que fazer escolhas. Cada escolha tem consequências. As consequências também são variáveis. Umas prevemos e outras acontecem de forma inesperada, sem o nosso controle. A cada instante da vida somos convidados a tomar decisões. Algumas esperam e outras não, são imediatas. Não existe como não escolher. Até quando renunciamos, também estamos fazendo escolhas.

Fica aí a lição. Lição esta que eu também preciso aprender. Do contrário não estaria aqui em pleno Natal, sozinho, olhando todo mundo bebendo, se empanturrando de comida e felizes de acordo com a tradição e a cultura da qual fazemos parte, enquanto eu estou fazendo ilações e reflexões sobre as questões da existência. Mas é isso mesmo. Podia ter escolhido ser mais comum. No fundo é uma inveja velada daqueles que estão sentados com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.

Rafel Dias Jr
Enviado por Rafel Dias Jr em 25/12/2014
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