Amado Batista e o carro vermelho

Miguel sonha dia e noite em comprar um carro, quer na cor vermelha com um som que possa tocar musicas de Amado Batista, quer o som se espatifando ruas a fora e pessoas olhando com inveja. Mas a vida é dura, por ter deixado os estudos muito cedo lhe sobra serviços braçais de pouca remuneração, na carteira profissional consta, entregador de leite numa bicicleta cargueira para a Cooperativa. Ajudante de mecânico, ajudante de entregador de moveis e por ultimo ajudante de pedreiro. No dia do aniversário de vinte e sete anos ficara na expectativa de ganhar um Pálio vermelho de presente, mas de quem? Se os pais vivem na mesma pitimba, o velho além de motorista do carro do lixo também faz bicos na porta da escola nos plantões noturnos, auxiliando o porteiro a conter arruaças dos alunos. Tem uma irmã prostituta, Leninha, gêmea com ele, desta não aceita nem uma vela para botar na mão no seu ultimo suspiro, é uma das suas grandes decepções na vida, já que os pais investiram na carreira de estudante de Nutrição e ela depois de diplomada partiu para outra comida. Miguel se envergonha quando alguém diz que os dois se parecem muito e briga com os pais por aceitarem a situação. Mas o carro é prioridade nos seus pensamentos, pode até sair um pouquinho da imaginação preferida, mas volta e balança um dos cofrinhos em forma de porco, as moedas se batem no interior e ele faz as contas, se lembra do dia em que iniciara os depósitos e baixa a cabeça. Segura o outro com formato de coelho e nota um barulho ainda menor, poucas moedas. Esse sonho de Miguel em adquirir o carro tem a ver com um par de chifres, aquele colocado com esmero pela ex-namorada Dadinha. Ela era do tipo sagaz, baixinha de bunda arrebitada, moreninha com os cabelos anelados presos a uma fita amarela e uma flor vermelha, seus dentes eram claros e seu queixo tinha um furinho que ele amava beijar. Ela gostava de dançar, mas ele não sabia, preferia ficar parado bebendo enquanto ela se acabava com outros “pés de valsas” não havia ciúmes enquanto ele estava sóbrio, porém depois que o álcool lhe atingia a área da possessão na cabeça, arrastava Dadinha e ia embora para casa, o forró poderia estar pegando fogo que ele se mandava sem a menor cerimônia, Dadinha viera da roça para a cidade, suas pernas eram cinzentas e seu pé era rachado, trouxera apenas algumas roupas e um crucifixo roubado da avó dentro de uma sacola plástica de compras na feira. Seu cabelo era crespo e inchado sem a fita e a flor. Empregou-se na casa do gerente da cooperativa em que Miguel entregava leite na bicicleta cargueira. O resto foi o “papo de aranha” que ele usara para aliciar a caiçarinha até os dias dos forrós. Dadinha gostava de paixão das canções de Amado Batista, pelas ruas sempre caminhava cantando alguma “No hospital na sala de cirurgia, pela vidraça eu via você sofrendo a sorrir” outras vezes” Princesa à deusa dos meus pensamentos, enfrento a chuva e o vento...” e pedia Miguel que comprasse um carro para saírem pelas ruas ouvindo o ídolo com as janelas abertas. Mas o servente de pedreiro era ignorante e ficava sisudo com os comentários, respondia dizendo que se ela o que quisesse com sua bicicleta tudo bem, senão que procurasse um que tivesse um carro. Mas Dadinha o amava e não respondia aos desagravos, foi assim, até o dia domingo em que Dadinha conversava com a mãe pelo orelhão da praça e vira passar um Palio vermelho com o som aberto ao máximo tocando Amado Batista, o galã do volante notara que os olhos de Dadinha o acompanhava, então com a desculpa de pedir informação parou próximo a garota de mini saia e bunda arrebitada, oferecendo carona para qualquer lugar, Dadinha que de boba só tinha a cicatriz de um bicho de pé, passara na casa dos patrões apenas para pedir a conta e nunca mais se ouviu falar dela.