ATEU GRAÇAS A DEUS?

O rapaz de camisa verde entrou em um breve ciclo de encontros com uma senhora de idade. Primeiro eles se cruzaram em frente à uma carrocinha de pipoca, onde ele, o rapaz de camisa verde, parara para comprar um pacote de coquinho caramelado. O pipoqueiro não estava afim de fazer caridade e negou vender um saco de pipoca para a velha por alguns centavos a menos que ela não tinha. O rapaz de camisa verde, por sua vez, ofereceu-se para pagar os centavos faltantes, que era exatamente a quantia que o pipoqueiro teria que lhe dar de troco, e a senhora de idade pôde saborear a delícia que cheirava e hipnotizava todos que passavam em frente ao próspero e muquirana vendedor de pipocas.

Muito agradecida com a gentileza do rapaz de camisa verde e a achar que ele era um bom moço, a senhora de idade seguiu para escadaria da estação central do metrô de Belo Horizonte. O rapaz de camisa verde foi atrás, pois era o itinerário dele também. Foi aí que aconteceu a segunda oportunidade de a senhora de idade avaliar o moço cortês que lhe inteirou o dinheiro do saquinho de pipocas.

Ela viu o jovem ajudar um cego a atravessar a longa e movimentada pista da Avenida dos Andradas, toda a extensão da Praça da Estação e ainda o conduziu cuidadosamente a descer a escadaria que direcionava para as roletas da estação. Só não foi mais adiante porque o cego pretendia seguir para o túnel que leva para a Rua Sapucaí. Do desencontro o jovem atravessou a roleta e seguiu seu caminho a passos largos, julgando ouvir o que seriam os vagões do trem metropolitano que aproximava. Não sabia ele se o que seguia para a do Eldorado ou se o que rumava para a Vilarinho, que era a estação que ele, o rapaz de camisa verde, utilizaria. Por sorte não era este e o caridoso resolveu vigiar de longe a velhinha para ajudá-la com alguma coisa que ela precisasse.

Na terceira vez foi dentro do vagão em que entraram juntos. O trem estava lotado. Teriam que ir em pé os dois. A não ser que algumas das jovens que estavam acomodadas no banco azul, que é reservado aos idosos, fizesse valer a cidadania e desse, uma delas, o lugar ao devido ocupante, que era a senhora de idade. Isso não aconteceu e todos por ali tiveram que ouvir da idosa a expressão "os zôto senta no lugar da gente e não se lembra de dar o lugar". O rapaz de camisa verde ficou chateado com isso, mas não pôde fazer nada. Cada um tem a sua consciência, a sua educação e faz a sua parte.

E o moço estava cansado. Carregava sua mochila pesada com as alças penduradas no ombro, a bagagem virada para seu peito para não incomodar os outros que estavam em pé. Ninguém se ofereceu para levar no colo aquele peso. Talvez a única coisa que o homem gentil possuía em mãos e que o rotulasse como um cara avesso ao que se apresentava era um exemplar de um jornal de esquerda que ele recebera gratuitamente na entrada da estação.

Era o "Brasil de Fato". Um jornal que presta mais informações úteis e honestas à população do que os que compõem o PIG, Partido da Imprensa Golpista, dos quais fazem parte todo complexo midiático brasileiro: Organizações Globo, TV Bandeirantes, SBT, Record, as emissoras de rádio, os estadões, a Folha de São Paulo, as revistas Veja e Isto É, os grandes portais de imprensa na internet. Enfim: tudo que aparece e ganha ibope é PIG, sistema de manipulação da opinião pública que falta com a verdade e que, em troca de dinheiro, faz as pessoas despreparadas cometerem erros difíceis de serem corrigidos no futuro. O cotidiano presente do brasileiro é o reflexo desses erros cometidos pelo povo mais simples e desinformado. Um desses reflexos é a baixa educação, que não permite que um sujeito se digne a desocupar o lugar de direito de uma velhinha no trem ou carregar a mochila pesada de algum trabalhador que não se deu bem na disputa por assentos no vagão do metrô.

Por sorte, não demorou muito, já na próxima estação, Santa Efigênia, um dos acomodados fez que ia se levantar para descer. O rapaz de camisa verde, cansadíssimo, teve toda a oportunidade de sentar-se e se aliviar um pouco do sufoco agravado pelo calor. Mas não, ele fez foi proteger o lugar, buscar com os olhos onde a velhinha estava enfiada e ofereceu para ela a vaga no banco. Ela o agradeceu, o chamou de gentil novamente e sentou-se pausadamente por causa da velhice. Pegou um papel qualquer na bolsa que levava consigo e foi lê-lo. O rapaz de camisa verde voltou para o jornal de esquerda que lia.

Estava perto de descer a velhinha e seu vizinho da beirada desocupou o lugar. Dessa vez, nada pausadamente, a senhora de idade deslizou-se para o lugar vago. O rapaz de camisa verde, por ser mais cômodo para ele se situar no vagão e por não haver ninguém mais que pudesse lhe tomar novamente a vez de sentar, foi fazer companhia para a vovó. Carregava ele, aberto, seu tabloide cheio de informação da boa, que desmistificava todas as que a mídia PIG anda vomitando para sua audiência pegar, mastigar, engolir e sair cagando aonde vai. E a velhinha, curiosa, quis saber o que gostava de ler aquele bondoso sujeito. Imaginava ela que algum evangelho devia ser. E ela só leu uma manchete: "O NATAL É SEMPRE SUBVERSIVO". A matéria falava sobre um monge e a sua visão sobre o Natal, que conforme ele voltara a origem pagã, sendo que agora o paganismo foi deixado de lado e o que é fortemente notável é o capitalismo que se aplica à festa pagã que todos que são corrompidos pelo cristianismo pensa que é cristã judaica. O Natal é uma data para compras, só isso.

Porém, a palavra subversivo para a senhora de idade lembrava ofensa à fé cristã. Talvez ateísmo. E o julgamento dela sobre o jovem mudou sem mesmo ela deixar ele se expressar. Julgamento e atitude, pois ao descer do trem ela o fez de cara fechada e sem se despedir, ao deixar o assento, do homem que a ajudara bastante.

E é desse jeito: Um cara pode ser moralmente sociável, ser bondoso e cuidadoso com as pessoas, pacífico, prestativo e amável. Mas se ele não for um prisioneiro do cristianismo, um tolo cristão ou evangélico, ou pelo menos se acontecer de ele deixar escapar qualquer motivo que permita se lançarem à críticas as pessoas que foram programadas para cair de pau em cima daqueles que ameaçam o poder realizado por meio da religião, nada do que um altruísta fizer de proveitoso e de honesto é soberano. A gente nem sabe o que é pior para corromper a integridade moral e o comportamento do cidadão: se a política ou se a religião.