Propaganda Enganosa
É depois de meia-noite quando elas saem para as ruas. Ou adentram os lares. E são testemunhas oculares de atrocidades, maldades, perversidades, vinganças, torturas, sofrimentos e todo tipo de injustiças. E não podem fazer nada. Porque são as almas penadas. As testemunhas da madrugada.
E isso se prolonga talvez até às quatro, quatro e meia, quando o dia começa a clarear. E as almas dos seres vivos acordam. Para testemunhar a mesma sorte de sofrimentos, desigualdades, angústias, coadjuvadas agora pela divindade da hipocrisia. E também nada podem fazer. Algumas até podem, mas não fazem.
Daí pode decorrer a inevitabilidade do recurso. Da consolidação da atmosfera aquariana. Da Era de Aquário. Do mundo alucinógeno que nos livra dos sofrimentos, depressões e de todas as suas pre ou pós-decorrências. Só que temporariamente. Embora possivelmente julguemos que não. E findo aquele purgatório (a associação à purgante não seria totalmente errônea), volta tudo de novo. A nossa amiga injustiça e todo o seu aparato. Ou mundo perverso. E recorremos de novo ao que nos pode manter afastados disso. Para depois, findo o período de carência, procurarmos novamente a zona de “proteção”... temporária. E ficamos nisso. Não sendo nenhum exagero que percebamos tratar-se de uma propaganda enganosa.
E nisso perdemos a nossa identidade ou individualidade. Embora juremos que não. Tal como faz o bêbado que jura que não está bêbado. Não somos mais nossos, ou nós mesmos, porque perdemos o domínio que tínhamos sobre nós. Mas quem efetivamente tem o domínio sobre si mesmo? Se tivesse, não cometeria todo tipo de injustiça que estamos cansados de testemunhar, como almas penadas ou como seres vivos. Não seríamos coniventes com tudo isso que acontece todo dia. Em todos os lugares do mundo. No Ocidente, no Oriente – que não orienta ninguém também – Ásia, Groenlândia, qualquer lugar. Qualquer lugar desse mundo em que sejam concebidas câmaras de torturas em que a vítima não perceba se é de dia ou de noite, se terá o testemunho de almas penadas ou outras, dos seres vivos.
É definitivamente um texto que não agrada a ninguém. Nem ao seu autor. Será necessário agradar? Possivelmente não. Mas o que pode ser necessário nessa vida? O desabafo. Tal como a obra que você deixa na latrina, ou no mato, e sai aliviado.
E quanto ao final? Mas quem verá esse final? O final não existe. Sempre haverá um túnel com uma saída do outro lado. E se não houver saída, você volta por onde entrou. Se possível.
Rio, 18/12/2014