De Pai Para Filho
Meio dia e quinze, de um dia qualquer
Em 1963, bateu o sinal de saída
Era o momento em que os alunos
Daquele grupo escolar estadual
Fariam o caminho de volta às suas casas
Caminho este que um deles fazia a pé
E numa caminhada rotineira cotidiana
Demorava de quinze a vinte minutos
Tinha dez anos de idade
E estava no quarto ano primário
Naquele tempo a merenda escolar
Resumia-se numa caneca
De leite em pó solúvel em água
E após uma hora de sua ingestão
Funcionava mais como um estimulante
Provocando uma fome incontrolável
Que aquele dia extrapolou os limites
Distante uma quadra de sua casa
Os passos miúdos do garoto
Foram interrompidos de repente.
Sobre o muro baixo de uma casa
Estavam duas salsichas sujas de terra
Tão vermelhas de terra que assustava
Num correr de olhos ligeiro
Percebendo que ninguém olhava
O pirralho pegou as salsichas
E ainda mais devagar voltou a andar
O aroma exalado pelo petisco
Era tão irresistível quanto sua fome
Foi quando percebeu que havia uma casca
Isso mesmo, eram salsichas empanadas
Removendo aquela crosta descobriu-se
O rosado mais lindo de todas as salsichas
E entenda, a fome rompe barreiras
O garoto abocanhou e devorou
Saboreando rapidinho o seu achado
Que felicidade, o que não mata engorda
Porém chegando em casa ouviu sua mãe
Em tom de reprova dizendo a seu pai:
O menino já chegou da escola
E ainda não tem nada pra ele comer
O garoto preocupado com uma briga
Antecipou-se e disse garboso
Não estou com fome, já comi
Ao que o pai lhe perguntou:
Onde você comeu? O que você comeu?
Comi salsicha! Respondeu cheio de si
Seu pai engoliu seco e passou a dizer:
Quando vinha para casa, vi duas salsichas
Sujas de terra caídas ao chão e pensei:
É alimento, pode saciar a fome de alguém
Então as coloquei sobre um muro
Talvez alguém faminto passando por ali
As comesse, aliviando assim a fome.
Não foram elas que você comeu não? Foi?
Cabisbaixo num gesto de negação
O menino vislumbrou uma lágrima
Que rolara da face de seu pai, tocar o chão