As farpas de dois deputados

Moro numa cidade pequena e tenho alguns conhecidos. Sempre no começo da semana costumo ir ao mercado. Quando passo pelo beco do sinal tenho que olhar para a loja de panos de um amigo que é muito admirador do jogo de damas, tem vários violões e gosta de opinar sobre fatos que são notícias recentes. Se chama Denildo. Temos alguma coisa em comum em matéria de arte e daí nasceu nossa amizade. Como disponho de bastante tempo, quando passo por ali, paro pra uma conversa. Foi numa segunda feira que encontrei por lá dois assíduos frequentadores. Um é músico, devoto da igreja carismática mas já foi grande bebedor de cachaça, se chama Ambrósio. O outro é um sujeito que pula de galho em galho, ora está envolvido com os movimentos culturais, ora com as coisas da política partidária, porém também já esteve metido em assuntos de igreja, se chama Nildo. Os dois tem opiniões quase sempre concordantes. Pelo fato de estarem antenados com os direitos humanos, sempre que acontece de aparecer no noticiário algum acontecimento absurdo que fere o cidadão, eles gostam de expor o que pensam e eu gosto muito de escutá-los. Não é que eu me julgue um alienado sem opinião, tenho cá minhas ideias e preferências mas quando se trata de saber o que pensam e o que creem os outros, sou muito atencioso.

Os escândalos do nosso país são muito grandes e frequentes, quando um deles vem à tona é um prato cheio pra quem gosta de comentários. Lembro de uma acalorada discussão da qual participei com esses amigos meus, quando se soube há mais de quinze anos que o juiz Lalau havia desviado alguns milhões do dinheiro público. Naquela ocasião, o ladrão da história foi excomungado, execrado pelo crivo de justiça do Nildo, que nesse momento esqueceu o lado religioso e atuou puramente como homem da justiça partidária. Disse em altos brados e veementemente que um sem vergonha daqueles tinha mais era que ir direto pro inferno e não ter direito nunca a purgatório algum. Ao que o Ambrósio disse que não via problema algum em o Lalau ir pro purgatório desde que devolvesse o que não lhe pertencia.

Foi assim também com o escândalo do mensalão e agora com o caso do Bolsonaro que em discussão com a deputada Maria do Rosário disse que ela não merecia ser estuprada.

Desde a semana passada que eu soube das farpas dos dois políticos, agora a coisa está sendo martelada pela imprensa e alguns puristas da oposição estão pedindo a cassação do deputado por ter faltado com decoro parlamentar, ter ferido os direitos das mulheres e outras coisas mais.

O que quero contar além disso é o que ouvi sobre o esse novo caso, dos dois frequentadores da loja de panos do Denildo:

O Ambrósio disse em conversa com o Nildo que nesse caso era a favor da cassação do machista Bolsonaro e que se preciso fosse, ele, Ambrósio, como bom católico, entraria sem titubear na lista do abaixo assinado.

Já o Nildo que é raposa velha falou que não aconselhava ninguém a se iludir com as discussões desses cachorros grandes, pois eles possuem imunidade parlamentar e era bom não esquecer que a deputada não era de todo santa, que a tal Maria do Rosário não é muito de rezar e que foi ela que começou com a brincadeira ao chamar o deputado de estuprador em discussão pregressa.

O Ambrósio retrucou que mesmo assim via a coisa muito desrespeitosa por parte do deputado e que este por ser do time da revolução estava atacando a Maria por ter sido ela da comissão de direitos humanos.

Os dois falaram mais outras coisas pro e contra, até a minha saída do recinto continuaram altercando sobre o caso.

Fiquei pensando depois no caminho de casa, nas ideias esdrúxulas do Nildo de que por detrás das palavras de Bolsonaro pode ter havido uma intensão que passa despercebida. Segundo esse meu amigo e a sua perspicácia, ato de estupro é como todos sabem uma violência explícita sim, mas, esse mesmo ato pode no decorrer do trecho proporcionar algum prazer a vítima, e ela a Maria não ia obter dele, do Bolsonaro esse prazer, caso ele realmente fosse o estuprador que ela dizia ele ser.

Interessante não?

Russas, 16 de dezembro de 2014

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 17/12/2014
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