O trem da saudade
“Apitando pela linha férrea,
os meus olhos se aproximavam da estação.
Na passagem de Nível,
o piuí-piuí, era atenção.”
O trem partiu de Camaragibe, a Maria Fumaça arrotava faíscas de sua fornalha, caindo nos olhos dos que se atrevessem a pôr a cabeça do lado de fora, geralmente as crianças. O apito da loco ao passar antes dos cruzamentos de automóveis soltava fumaça em desenhos, através de sua chaminé, deixando pela linha à fora um cheiro saudoso do carvão-de-pedra.
Desfilavam os postes com os seus fios telegráficos e as placas em vermelho, que com letras brancas, advertiam: P.N. APITE E PARE/OLHE-ESCUTE.
Quando o trem parava nas estações, via-se o chefe da estação engravatado. Lembro que sempre o de Carpina retirava da algibeira um espelhinho redondo com uma estampa de uma mulher nua no verso. Mirava-se, ajeitava o quepe e a gravata. Próximo à estação e na plataforma casais desfilavam, a maioria dos homens de chapéu-côco palhinha. Alguns rapazes e moças com chapéus de massa/feltro. Uns dois ou três com chapéu-do-chile, panamá e os matutos de chapéu-de-palha. Algumas moças com guarda sóis; praticantes (telegrafia) de estação, vendedores(as), meninos(as) oferecendo aos passageiros do trem os seus produtos... Enfim, era festa nas estações, principalmente nas grandes cidades. Ouvia-se os vendedores e seus pregões: “olha o araçá”, “rolete, o-o-liá o ro-ro- leeete”, “tapioca”, “olha a laranja, docinha, docinha”, “olha a cocadinha de côco, uma é dez tostões. Barato que só bolo-de-goma (não faltava a água na quartinha de barro)”. “Olha a bolinha-de-cambará, dois pacotes é um vintém,,,”, “macaíba...”.
O chefe do trem, todo uniformizado, de quepe ornado com listras douradas com jugular da mesma cor ao redor, apitava e acenava uma bandeirinha verde anexada ao apito a Maria Fumaça. Ouvia-se o eco do seu apito tradicional e “O trem”(som musical do apito e do rugido da Maria Fumaça e o movimento dos vagões puxados por ela mesma. Intercalando o som dos sinais telegráficos e o da sineta.)
Hoje, só restam as lembranças, o drama da nossa ferrovia, estações abandonadas, os prédios das históricas e esquecidas estações encontram-se sem preservação. Infelizmente, até agora nada foi feito pelas autoridades governamentais. Uma vez o meu amigo Azambujanra, que é mestre em fazer trocadilhos, fez um referente à situação da ferrovia no Brasil. Escrevi uma peça de teatro na qual no fim do terceiro e último ato, vê-se uma faixa : “O Brasil trem solução!?”
Termino esta crônica com a última estrofe do poema “Trem & Trens”:
“Trem & Trens (Piuí)
Café com não
Bolacha não
Com não, com não, com não...
Piuí-piuí...”
Nota – Alguns trechos extraídos do livro“Trem fantasma”. Edição esgotada.
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