A INSUSTENTÁVEL VOLATILIDADE DO SER
Na contemporaneidade, vivemos um carrossel de conceitos e, por conseguinte, temos reações e comportamentos nem sempre previsíveis. As recentes pesquisas eleitorais podem ter sido vítimas desse comportamento volátil.
Mas, quais seriam as bases dessa volatilidade?
Coloco aqui meu pensamento, que não tem nenhum fundamento científico, mas apenas as minhas percepções.
Minha geração assistiu a decida do primeiro astronauta na Lua: me lembro de ter visto numa TV em preto e branco. Sonhávamos com o ano 2000, quando a ciência certamente teria descoberto a cura para todas as doenças, nossos passeios de férias seriam interplanetários e os automóveis sairiam do chão, tornando-se semelhantes a discos-voadores (alguém se lembra dos Jetsons, desenho animado futurista que era exibido na TV nos programas infantis das décadas de 70 a 80?).
Minha geração encontrou um ano 2000 de ameaças de destruição global, de doenças novas ameaçadoras e incuráveis, de crise social, desemprego. A ciência caiu do Olimpo ao entrar na era da “incerteza”, na descoberta dos fenômenos que ocorrem no universo, assim como no nível sub-atômico, que colocaram a física tradicional em cheque. Se fomos educados pelos nossos pais na esperança de um mundo melhor, educamos nossos filhos para um mundo catastrófico, de possibilidades de guerras atômicas, colapso ambiental e de futuro incerto.
Nossos jovens, portanto, podem ter desenvolvido uma “couraça” protetora para encontrarem sentido maior para sua existência: esquecer o futuro – viver o presente. “Carpe diem”, mais uma vez, nada mais atual.
Nesse jogo incluimos a revolução da tecnologia direcionada às comunicações, tornando o conhecimento acessível universalmente. A comunicação voltada para um sistema econômico que se baseia no consumo e que manipula a população, implantando necessidades superfluas, oferecendo a satisfação efêmera mas imediata, criando padrões de comportamento que nos torna cada vez mais iguais.
A questão política, que deveria ser de maior interesse, é vista como inútil. É crença que a política não existe para o bem público, mas para o benefício de grupos econômicos e criminosos. Não se espera nada dela, ao contrário: despreza-se tudo a ela relacionada. O resultado é a alienação, a indiferença e a não participação nas decisões e investimentos públicos.
Assim sendo, a adminstração do que é, ou ao menos deveria ser, “público”, fica nas mãos de pessoas dissociadas dos interesses dos cidadãos, comprometidas com o poder econômico.
A questão ambiental entra nesse contexto como resultante de um modelo político e econômico exploratório, que se fundamenta na ideia de um mundo infinito, onde se consome e se descarta, sem culpas e sem consequências. Mais uma vez, a descrença no futuro esvazia qualquer atitude que possa mudar esse cenário.
Talvez ainda existam mais razões, como, por exemplo, o medo do futuro ameaçador, mais um argumento para que se pense no presente, uma defesa contra o desesperador e insuportável caos que se anuncia. A corrente pela fuga da realidade encontra novas drogas, entre as quais, a que nos remete ao mundo virtual. Redes sociais são vitrines de avatares onde se constroi uma imagem positiva, criada e mantida com muito zelo, intocável e perfeita. Nossos avatares têm a obrigação da apresentar-nos sempre felizes, bem sucedidos e, em muitos casos, mensageiros de “lições de vida”. São a fuga da realidade. Aliás, o que se divulga nas redes sociais não tem a obrigação do realismo, nem mesmo tem essa intenção.
Vivemos um mundo novo, próximos, como nunca, de uma “Matrix”, onde fechamos os olhos para a realidade e para o futuro, rimos diariamente de mensagens cômicas e satíricas, numa busca permanente pela diversão imediata. Aríetes nas mãos da entidade inabalável e adorada à qual chamamos “mercado”. O “mercado” dita as regras, cria a moda – sempre mutante – justifica a exclusão e insufla a vaidade de cada um de nós.
A lógica do mercado é a seguinte: todos devem seguir o modelo vendido pelas midias, vestindo-se, comendo, divertindo-se e, principalmente, comprando produtos e serviços, muitos deles sem qualquer utilidade lógica para a humanidade, mas isso nos dá o ingresso para o aceitável. Até mesmo a tão em alta “inclusão” fundamenta-se nessa lógica: não se trata de entender a liberdade de cada um em ser e se apresentar da maneira que lhe convenha, mas de “incluir” a todos no que se estabelece como “modelo”. Modelo, aliás, que é ditado, paradoxalmente, por ídolos que se diferem do todo, pois, não são os iguais que se destacam, mas os diferentes.
Como a lógica do mercado é a lógica do consumo e descarte, assim também as mentes se ajustam: como prever o pensamento de alguém num modelo cultural instável, pela necessidade de compra e recompra, pela obsolescência insana dos produtos e pela substituição constante dos padrões?
Somos voláteis como os produtos, como nossos ídolos, irresponsáveis como os seus produtores e dirigidos por uma entidade que nos diz o que consumir, mas não se interessa pelo que pensamos – aliás, implanta necessidades e conceitos através da mídia, moldando nossa forma de pensar e aniquilando nossa capacidade crítica. Voltamos, gradativamente, à lógica cartesiana, do “certo” e do “errado”. É mais fácil assim, exige pouca reflexão e nos traz de volta ao smartphone.
O que fazer diante desse cenário? Qual seria a saída possível?
Eu sugiro o rompimento com o consumismo, com a moda imposta e com o comportamento classificado como socialmente sofisticado. Sugiro o repensar, a desconstrução dos paradigmas. O aumento da capacidade crítica através da leitura, mas tendo como compromisso o conhecimento, explorando as diversas formas de visão de um mesmo fato. Sugiro que nosso conhecimento não seja limitado a “definições” ou “posicionamentos”, que não se diga “isso é assim ou assado”, mas que se avaliem – e se respeitem – as diversas possibilidades. Sobretudo, que se consulte mais de uma fonte, de preferência antagônicas, antes de se anunciar um “veredicto”. Aliás, que não existam “veredictos”, mas a humildade de menção de uma visão pessoal sobre um determinado assunto.
Romper os laços com a “Matrix” é tornar-se próximo da liberdade e da construção de um mundo mais sustentável e justo.