Natal no shopping

Este ano não tem árvore de Natal. Ou melhor, até tem, mas é pequeninha, do tamanho de uma régua, e já vem pronta, com doze bolinhas vermelhas e uma estrela dourada na ponta. Eu estava decidido a montar a mesma árvore do ano passado, que, embora de plástico, era grandinha e precisava ser enfeitada, mas alguma coisa me fez desistir depois que passei pelo shopping. Eu andava por lá e podia avistar do segundo andar toda a praça central, decoradíssima para a época, inclusive com uma árvore gigantesca do Ursinho Pooh. Via a festa feita pelas crianças, os pais fotografando cada momento, a fila para ver o Papai Noel, a multidão carregada de sacolas, os anúncios de promoções natalinas, as pessoas depositando cupons para concorrer a grandes prêmios, e por um momento me pareceu absurdo que tudo aquilo estivesse acontecendo por causa do menino que nasceu em uma manjedoura. Refleti que, se estamos celebrando o nascimento deste menino, deve ser porque ele é muito importante para nós e porque concordamos com a mensagem que ele veio trazer. E, no entanto, onde encontrar, ali no shopping, entre pessoas que celebram o Natal, alguma coisa que lembre, ainda que minimamente, a boa nova que nos é sugerida por este mesmo nascimento?

Olhei para Papai Noel, com duas crianças sentadas em seu colo. Papai Noel, como é sabido, não vem para todo mundo. Apenas os privilegiados financeiramente é que recebem a sua visita. Quem não recebe, quem não ganha presente, se sente de tal forma miserável que é como se não participasse do Natal. E, no entanto, parece-me certo que o nascimento que se comemora nesta data é para todos. Arrisco-me a dizer, inclusive, que ele é sobretudo para os desamparados – e esses normalmente não estão em condições de comprar presentes no Natal. São contradições que me assaltam enquanto caminho pelo shopping, e que têm o seu ápice quando avisto uma árvore de Natal feita de sacos de dinheiro, simulando o prêmio daqueles que foram bons consumidores durante o mês de dezembro. Todos, afinal, querem mudar de vida – e não me parece que a transformação desejada seja aquela oferecida pelo menino.

Verdade que há um presépio por lá também, um tanto escondido, e os pais, diante dele, fazem o mesmo que em toda a parte, ou seja, tiram uma foto dos filhos. Não será ali, em pleno shopping, que nascerá alguma reflexão mais profunda sobre o sentido do Natal. Mais adiante, um coral se apresentava. Eu estava melancólico, mas parei para ouvir. Descobri que era um coral de igreja. Admirei-me do entusiasmo com que aqueles homens e mulheres cantavam a chegada do Natal. Havia uma mulher em especial que não teria sorrido mais caso lhe tivessem dado a oportunidade de assistir ao primeiro Natal. E não imagino que eles estivessem tão felizes porque irão aproveitar os descontos imperdíveis de uma grande loja ou porque conseguiram muitos cupons para depositar na urna. Estavam assim porque ainda comemoram aquele nascimento de dois mil anos atrás. E eu suspeito que essa alegria não seria menor mesmo que em suas casas não houvesse nenhuma árvore de Natal.

Por essas e outras que este ano eu também não montei a minha.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 15/12/2014
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