O PIQUENIQUE

-Querida, esta semana iremos de trem à Aimorés, visitar os nossos parentes.

-Que bom! Quero ver o Rio Doce e a minha casa.

Dias depois.

-Ju, já tem um tempão que estamos viajando e ainda não vi o rio.

-Está quase na hora de vê-lo. Enquanto isso, olha a vegetação como está verdinha.

-O gado está pastando feliz. Olha lá!! Coitado do meu rio! Como está seco!

-O seu rio cristalizou e está parecendo o doce de mamão que você faz.

-Que maravilha aquelas flechas contornando o leito! Nossa! Quanta areia! A água está tão pouca que não dá para ver daqui. Estou me lembrando de quando fui, pela primeira vez, à Vitória, com a Laura. Eu era adolescente. Na chegada, vi a lua refletindo na água e perguntei, toda feliz, se era o mar.

-Não, Célia! Quem dera! É o só um braço dele.

Fiquei calada imaginando como seria o resto do corpo do mar.

-Chegamos em Baixo Guandu, querida.

-Então, vou ficando em pé. Daqui à Aimorés é um pulo e quero ver a minha ex casa. Inúmeras vezes acenei para os meus pais no portão. Ju, vamos de charrete para a casa da sua irmã? Mamãe, que Deus a tenha num bom lugar, não me deixava andar nessa condução, porque era a preferida das mulheres da vida.

-Hoje, não, querida. O compadre Magela está nos esperando de carro.

Almoçamos galinha com quiabo e angu com Neném e João. Visitamos o Joaquim, meu cunhado que estava doente e voltamos para a estação. Como o trem estava atrasado, conversamos duas horas sentados no banco do jardim, recordando o nosso tempo de namoro.

A volta foi muito diferente. Logo escureceu e não deu para apreciarmos a paisagem.

Nas poltronas de trás.

-Crislene, fica quieta! Senta aí, diacho!

-Vitóóóóóóóória! Vitóóóóóória!

-Para de gritar, menina!

-Atenção senhores passageiros! A próxima estação é Flechal! Por favor, fechem as janelas por dois motivos: a molecada joga pedra no trem e entra mosquito no vagão!

-Fecha logo, Ju! Graças a Deus estamos chegando em Vitória! Olha o braço do mar. Ué?! Por que estamos parando, meu Deus?!

-Vitóóóóóóória! Vitóóóóóóóória!

-Fecha a boca, diacho, senão eu te dou uns tapas no bumbum!

-Atenção senhores passageiros! Por causa de um acidente, o trem atrasará!

-Minha Nossa Senhora da Penha! A que horas vamos chegar, Ju?

-Calma, querida, que logo, logo chegaremos.

-Calma?! Olha a mosquitada nos atacando. Pode ser aqueles da dengue.

Atrás, nossos companheiros de viagem não paravam de falar.

-Seu pernilongo de uma figa! Morre infeliz! Sei lá se você está infectado!

-‘Menina’, Tião quer voltar pra mim. Nunca vi uma volta desse jeito: me batendo, me xingando e ameaçando tomar chumbinho. Mandei ele pra...

Peguei no sono. Acordei com os gritos: o trem está andando! Vitóóóóóóóória! Cala a boca, Crislene! Sai mosquito! Nossa, que pedrada! Tião! Tião! Tião! Estou aqui na janela!

-Levanta, querida. Até que enfim chegamos. Gostou do passeio?

-Gostei só da ida. É como diz aquela música do nosso tempo; aquela que o Wanderlei Cardoso canta ainda: o piquenique foi bom, mas a volta é que foi tão triste...