VICENCIA PRADO: A inusitada vitima

Nas primeiras décadas do século passado, viveu no município gonzaguense, um casal de proprietários rurais de idade avançada, mas, bastante realizador, tendo por isso marcado época no lugar. Morava no povoado Moreira, a cinco quilômetros da sede, onde tinha boa propriedade rural. Seus vizinhos fundiários eram: Inacinho, no Olho Dágua, Chico Correia, no São Joaquim e Raimundo Heleodoro no Vale-Quem- Tem.

A cabeça do casal era dona Vicência Prado, que esposa do seu Antonio Prado comandava o destino da propriedade, vez que seu companheiro, acometido de cegueira, não tinha mais condições de saúde para tocar o rude trabalho do campo.

As terras eram mal cuidadas para o pastoreio de animais, mas significativamente produtivas na lavoura. A lida do campo era a rotina daquela incansável senhora, que com mais de sessenta anos de idade, ainda tinha força e disposição para tocar o seu patrimônio.

Vicência Prado ficou também conhecida, pela redondeza, por ser questionadora, e de verve solta e “desbocada”. Vivia às “turras” com Chico Corrêia -seu vizinho de propriedade- por uma gleba de terras do patrimônio de Chico, que a litigante insistia em dizer ser dela. Prometeu ir até à Brasília/DF, em busca de elementos para mostrar as provas cartoriais da área, más nunca foi capaz de apresentá-las, permanecendo as terras sob o poder do patriarca da família Corrêia, seu verdadeiro dono.

Em qualquer das tarefas do campo aquela batalhadora se fazia presente. E ainda sobrava-lhe tempo para cuidar dos afazeres de casa e ir sempre que preciso à cidade para tratar de negócio na venda de gênero agrícola, ou compra de mantimentos para os trabalhadores que lhe serviam. Era cliente preferencial do comerciante Pedro Morais, a quem vendia seus gêneros agrícolas, e do carcamano Abdon Charrin nas compras de artigos para fazenda.

Na época o único meio de condução era o animal de montaria. Veículos automotivos constituíam-se em privilégio de poucos. Não existiam estradas e os caminhos para a cidade eram precários e quando caia o inverno os acessos se tornavam dificílimos.

A morada ficava à esquerda da estrada, e o povoado logo mais a frente no sentido de Bacabal. A casa era simples de taipa. Criava ovelhas e pequenos animais. Não tinha gado, mas era grande produtora de gêneros agrícola.

Era comum Vicencia Prado ser vista na cidade, montada em seu famoso e bem cuidado alazão, acostado de valiosos arreios.

Bem alva, cabelos cacheados quase loiros, já meio grisalhos. Esguia de estatura mediana e olhar aguçado. Sempre ativa e temperamental. Era do tipo língua solta e disposta nas ações.

Com o tempo, chegou em sua propriedade um roceiro mulato, que tinha origem na Gruta, um restrito e sombrio lugarejo, numa área acidentada, lá pras bandas da região do lendário Seco, também no mesmo município. Sem ocupação definida, veio o moço a procura de serviço braçal. Precisando de mão de obra no roço de capoeira, dona Vicência contrata o estranho que passa a trabalhar permanentemente na propriedade, passando a morar na mesma, pelo fato de apresentar disposição e conhecimento com o trato do serviço.

Aos poucos o forasteiro vai ganhando a confiança do casal de idosos e passa a ter acesso nos compartimentos do recinto de morada dos proprietários, e até opinar sobre seus negócios.

Em pouco tempo torna-se uma pessoa de confiança da casa. E isto se consolidava em virtude do casal ter apenas uma única filha, e esta não conviver com os mesmos, sendo casada e moradora nas imediações do distante povoado Meião.

Certa feita, sem data precisa, no final da década de 60, dona Vicência teve necessidade de ir à Ipixuna, para tratar de negócio, e leva consigo o rapaz, que fora visto na sua companhia, prestando-lhe apoio, durante todo o tempo de permanência na cidade.

No final da tarde ambos retornam à residência da patroa no Moreira, e parecia mais um dia de movimentação normal para aqueles moradores. Mas, apenas parecia... No deslocamento à cidade o indivíduo acompanhante, arquitetou um plano sórdido, para pô-lo em execução, quando do seu retorno à morada na fazenda.

***

Alguns vizinhos, posteriormente declararam que o indivíduo há algum tempo espreitava a movimentação do casal. Sobretudo, suas finanças, seus costumes e hábitos. Chegou a cogitar em roda de bebedeira, a existência de uma certa fortuna em dinheiro e joias, que a velha guardara sob forte sigilo, nas dependências da casa de morada.

A bem da verdade, nunca se teve informações seguras sobre como se deu a tragédia naquela tarde noite na morada dos Prados no Moreira.

O acesso ao povoado era difícil. Ficava na margem de um caminho que interligava a então cidade de Ipixuna a Bacabal, que na fase invernosa tornava-se intransitável.

O aparelho policial da época era inoperante, além de sofrer influência direta do governo municipal. A Justiça e a Promotoria, desaparelhadas, e às vezes sem seus titulares, não atendiam a contento as demandas de suas alçadas.

Todos esses entraves dificultam a ação rápida e precisa, na apuração dos fatos, indicação de culpados, apresentação da denúncia e decisão da Justiça, em certame a exigir pronta ação.

O local da morada era bastante isolado, não tendo outras casas por perto, o que facilitou a ação do meliante e dificultou o contato de terceiros, no ato do crime e após este.

No terceiro dia após o retorno de Vicencia da cidade, sem que fosse mais vista, alguns transeuntes da estrada foram atraídos pelos relinchos e escaramuças dos animais da fazenda que se encontravam presos e famintos na estribaria ao lado da casa, sem qualquer assistência do mulato responsável pelo trato.

Ante o intrigante cenário, uma vizinha do lugarejo ao tentar visitar o casal Prado depara-se de súbito, com as marcas deixadas pela barbárie e pediu ajuda aos moradores, que só a partir de então, tomaram conhecimento dos fatos e de pronto diligenciaram com vistas às providências necessárias que a ocorrência sugeria.

Foi terrível a cena descrita pelos primeiros que se depararam com o rastro da tragédia. Parecia cenário de um filme de terror.

Marcas de sangue humano ressequido que jorrou, emolduravam o cenário macabro. Os corpos do casal em estado de decomposição mostravam marcas de espancamento, sobretudo o de seu Antonio, onde encontraram próximo ao mesmo uma mão de pilão que fatalmente fora usada na chacina. O cadáver de dona Vicência, encontrado na copa, apresentava o rosto dilacerado por ação de cães vadios e famintos.

No jirau da cozinha jazia um frango depenado que seria para o jantar naquela noite véspera, enquanto que pendurado na escápula da cozinha permanecia uma posta de carne bovina em estado putrefato, comprada na cidade no dia anterior ao à tragédia. Até as compras recém chegadas, encontravam-se jogadas ao chão, com os fardos abertos e expostos, por ação selvagem de caninos famintos.

O cenário devastador anunciava que a tragédia se abateu sobre os Prado, assim que a patroa retornara da cidade.

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De posse de alguns pertences das vítimas e de certa quantia em dinheiro delas roubado, o latrocida deixa o local e empreende fuga em um dos animais da fazenda, abandonando-o mais à frente, optando por fugir à pé.

A chacina foi o crime mais covarde e monstruoso que se teve notícia, até então, naquela região do outro lado do rio. A população interiorana, além de chocada, ficou assombrada com o ocorrido e por muito tempo evitou-se sair de casa à noite na localidade.

A pesar do cerco fechado o assassino, com o conhecimento que tinha dos acessos da região, conseguiu fugir, o que deixou a população além de angustiada, ainda mais apreensiva.

Decorridos alguns meses do fato, começaram a chegar na provinciana cidade, informações desencontradas sobre o paradeiro do assassino. Uma delas dava conta que este se encontrava homiziado no povoado Lago Acú, município de Bacabal.

Dentre os homens do efetivo policial de Ipixuna, existia o guarda municipal de codinome Pedinho, que astuto, voluntarioso e inteirado dos fatos, com o apoio do delegado municipal Vitor Ciano, (que diziam ser parente da vítima), diligente que era, aceitou o desafio de prender o homicida. E assim o fez. Agindo de forma ousada e arriscada efetuou a prisão do meliante em Lago Açu e o trousse sob custódia até a delegacia de Ipixuna, numa aventura sem precedente.

Recolhido ao xadrez, o “monstro do Moreira”, sofreu por alguns meses na prisão “solitária” da antiga Delegacia Municipal de Ipixuna, onde esteve no malfadado Porão,(construído na gestão Teixeira de Melo, para presos perigosos e usado no governo Nonato Veloso, para trancafiar desafetos políticos), até que por força dos reveses da vida e frouxidão das leis, o assassino terminou por obter soltura.

Sem cumprimento da pena merecida e sem maiores implicâncias, o criminoso desapareceu para sempre desse lugar, sem que se tenha mais notícia sua. Com o desgaste do tempo, e o manto sujo da impunidade, a sanha tornara-se mais uma conta no insidioso rosário de crimes impunes. Assim como tantos, retratados em crônica policial por esse rincão maranhense, parte desse idolatrado torrão, também chamado de Terra Brasillis.

josafá bonfim
Enviado por josafá bonfim em 14/12/2014
Reeditado em 16/01/2015
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