O papel pedagógico do escândalo
De tempos em tempos cada vez constantes, a gente se vê com um escândalo, sobre as mais variadas formas. Como hoje a gente já presencia a corrupção e o tráfico de influência como algo rotineiro e cotidiano, perde-se o interesse por notícias corriqueiras.
Fatos supervenientes são esperados, podendo alcançar, em uma redundância coerente e bem pleonástica, o privado mais íntimo e mais recôndito que uma pessoa tenta guardar - no entanto, sem êxito, através do incontrolável avanço da era das informações.
Quem quer se ver longe de escândalos ou dos holofotes da mídia - ou em grau menor, das fofocas e comentários maldosos de vizinhos e inimigos íntimos -, é melhor evitar cometê-los. Tentar, ao menos, viver uma vida mais íntegra. Ou, pelo menos, cometer os menores erros possíveis e mais primários ou suaves.
A crônica de hoje não é contemplar os escândalos de Roberto Carlos, a ponto de CENSURAR a divulgação de sua biografia, contra o exercício da liberdade de expressão e de construção de uma "história cultural". Ou de Renan Calheiros, com o esquema da Gautama e a sua relação com a jornalista Mônica Veloso.
Entre Mônicas e Mônicas, há um histórico de escândalos e tropeços de notáveis dirigentes. Que diga o nosso Clinton...
Vamos falar do escândalo do dia-a-dia. Daquele escândalo que a pessoa, ao sofrer, sequer consegue exercer minimamente o seu afazer cotidiano, acossado pelo "disse-me-disse", pela prosa e pelas piadinhas gratuitas, pelos olhares inquisidores, dentre outras retaliações informais, em códigos morais invisíveis.
Não precisa ir muito longe. Existe ao lado o indivíduo do apartamento 302 bem casado, pego com uma empregada ou com a vizinha do 405. Ou o cara que, outrora tão machista, é pego dando uns beijos em um homossexual, no canto de um poste da sua rua às duas da madrugada. Até um diretor rígido de uma autarquia, que além de ser pego tendo relações com a sua funcionária subalterna, sofre a devassa de uma comissão de processo administrativo e é descoberto pelos seus esquemas de contrato superfaturado e enriquecimento ilícito.
Enfim, seriam os inúmeros escândalos que, vez ou outra, os olhares inquisidores de muita gente vão em cima. Faço aqui a minha auto-crítica. Por baixo de uma hipocrisia velada e de uma visão meritocrática da vida, muitos descontam suas invejas, mágoas, dissabores ou antipatias. Ocorre quando o alvo das nossas críticas internas ferrenhas cai no erro cabal, em um escândalo com proporções incalculáveis, ferindo o seu patrimônio ético-moral.
Dizia um pastor amigo meu, há um tempo atrás, que a coisa mais valorosa que pode existir ao homem, acima das riquezas ou do prestígio social, é a própria honra. E o que seria ela? No caso, a capacidade de conviver coerentemente com o que se vive ou alardeia aos outros. Ações que confirmem o nosso conceito de vida, em toda a sua essência.
Outra frase é de um velho amigo meu... ex-comandante do meu pelotão em 1997 e hoje prestes a ser Major. Ele, volta e meia, sempre dizia que a melhor forma de não errarmos é olhar para o exemplo dos erros anteriores para não reproduzirmos eles.
Em outro momento, o velho Claro, meu pai, sempre disse para mim o seguinte axioma:
- Meu filho, faça uma vez correto, senão fará duas para aprender.
O escândalo, por mínimo que seja, tem o seu papel útil. Seja em nós ou nos outros, ele nos ensina que, como seres humanos, estamos suscetíveis a erros, por vezes graves, pelo fato de sermos humanos.
Com certeza, a misericórdia de Deus coloca os grandes amigos nas horas mais difíceis, ajudando-nos a superar tais momentos.
Por outro lado, o fato de vivermos em sociedade nos faz atrelar a uma série de regras e condutas. Inclusive, nos vários "guetos", com suas normas de ética e convivência. Por mais que elas, como reflexo do indivíduo, possam ser farisaicas ao extremo, a sociedade não perdoa quem falha.
Cabe, então, entender não a origem dos erros. Entendê-los como pontos de equívoco e fraqueza humana. De nossa parte, evitar o vexame é a ação mais útil. Porém, aos que cometeram, após a exortação e a admoestação sincera, nada melhor que estender, de forma altruísta, a mão amiga e acolhedora.
Mostrar-lhe o caráter amplo da vida, bem sublime. Maior que o pior escândalo existente, desde quando o homem se fez homem.
O escândalo tem o poder de arranhar a vida de um indivíduo e gerar seqüelas profundas. No entanto, ele não pode ser a razão para travar a caminhada e as oportunidades que surgem na vida.
A partir da abrangência do viver, é preciso mostrar que há, sim, possibilidade de franca recuperação da dignidade humana, da forma como ela é e não como é vista pelos outros.