Bolsonaros

Passando pelas ruas do comércio de Aracaju atopetado de pessoas comprando quinquilharias coloridas para um Natal como pode cada um, escutei uma voz de mulher dizer algo como: Veste uma saia curta dessa e depois reclama porque os homens olham. Aquela frase dita por uma voz feminina me entrou no peito como uma faca. Faca não, canivete. Canivete, não, navalha. Navalha, não, espada de Zorro. Não, nada disto e tudo isto e mais tiros e cacetadas e o mais que você queira imaginar, vale até tiro de canhão da Primeira Guerra Mundial. Coloque tudo em câmera lenta e fique aí calculando o que acontecia no meu peito, na minha mente, na minha alma. Uma mulher dizendo tal coisa. O tempo parecia a eternidade, mas foi imediatamente que me voltei e olhei e vi a mulher. Coitada, mais coitada a atiradora do que a vítima. Era uma mulher comum, uma dona de casa, cara da simplicidade, da boa vontade misturada com a boa fé. Me enchi de amor, mas falei com ela. Dirigi-me a essa senhora inocente e tentei, falando com sinceridade e carinho: A senhora não diga mais isto, nunca dê razão a um homem, a não ser que seja o seu pai, e olhe lá, pois ele pode também não ter razão em alguma coisa. Minha senhora, a senhora é mulher, jamais seja contra uma mulher, mesmo que a considere errada. Ela me ouviu sem reclamar. Vi que tinha bons modos, ternura. Quem sabe dizia aquilo, pois foi o que aprendeu na infância e na juventude. Aquilo ficou ali, como uma doença miserável. Seguimos mais uns passos juntas e fomos falando mais um pouco. De toda forma fiquei enternecida com aquela mulher, tão pura que nem imaginava estar entregando munição ao mundo masculino para que nela mesma atirasse um dia. Isto sem contar outros tiros que, porventura, tenha levado até agora. Despedimo-nos, cada uma seguindo sua estrada de pensamentos. Eu pensei nesse peste de deputado Bolsonaro. Pensando melhor, chego à conclusão de que esse Bolsonaro esticou o peito na direção de uma mulher e demonstrou o que muitos de sua espécie fazem com mulheres. Mas, há de se considerar que temos culpa no cartório. Sim, temos culpa sem termos tanta culpa vez que fomos induzidas a acreditar que mulher não pode mostrar as pernas em saias curtas para não instigarem os homens. Temos uma incalculável contribuição no momento em que permitimos que nossos filhos ajam de tal forma, desrespeitando mulheres porque mostram pernas. Agora mesmo me vem à mente uma cena que vi no Parque do Retiro, em Madri: uma jovem sem a parte superior do biquíni tomando sol no jardim. Dentro do parque, para proteger as pessoas e também a moça com o busto à mostra passava vagarosamente o carro da polícia madrilenha. Ali fiquei sabendo que a polícia faz a ronda para justamente garantir que, entre outras coisas, aquela ou outra mulher possa ficar com os peitos ao sol da Espanha. Que bonito achei! A Espanha, a Europa inteira e o mundo todo têm os bolsonaros da vida, mas, eles não são alimentados, protegidos e nem dispensados de seus ataques e chiliques machistas. Precisamos aprender esses comportamentos. Principalmente eu, você mulher e todas as mulheres deste planeta dominado pelos machos desde que o planeta é planeta.