Schusta

Vivi seis anos (dos 16 aos 22), numa minúscula cidade do noroeste do Rio Grande do Sul, Independência.

E por falar na cidade, lembrei-me do “Schusta”. Todo mundo sabia que o “Schusta” era o Sr. Schuster (e a gente abrasileirava prá “Schusta”).

O apelido pegou bem. Ainda mais que o “Schusta” era famoso. Até as crianças sabiam contar aos visitantes recém chegados na city, quem era o “Schusta”.

No tempo que lá morei, trabalhei dois anos como empregada doméstica e dama de companhia de uma senhora de 94 anos, a Malvina.

Foi ela quem me contou do “Schusta”. E um dia, do alto da varanda da casa, me apontou o homem na rua. Foi assim, de longe, que vi o “Schusta” - já com seus 50 anos - pela primeira vez.

Depois desses dois anos na casa da Sra. Malvina, fui trabalhar como agente de rodoviária. Quer dizer que eu passava meu dia num balcão vendendo passagens.

A rodoviária era o “point” da cidade. De um lado tinha uma lanchonete e churrascaria. De outro uma fruteira. Na frente, um posto de gasolina. E o povo se ajuntava ali. Era o centro da fofoca sobre a vida dos moradores e viajantes.

Independência não possuía rádio, nem jornal (ouvíamos a Rádio Colonial de Três de Maio), mas era só dar uma passada na lanchonete ao lado da rodoviária ou no posto de gasolina, e a gente recebia as notícias de todas as intrigas, brigas, festas, bailes, mortes, velórios, casamentos e outros acontecimentos possíveis numa pequena cidade do interior gaúcho.

E no meio de tudo isso é claro, não podia faltar o “Schusta”.

Ele vivia por ali, no posto de gasolina em frente à rodoviária, na lanchonete, no ¨cachorrão¨, sorveteria, na rua em frente à cooperativa, ou ainda na porta do açougue que ficava em frente da padaria da rua principal, outro ponto de reunião dos moradores.

Onde tinha um amontoado de gente, lá estava o “Schusta”.

Onde se ouvia uma risada mais alta, lá se via o “Schusta” rondando a área.

Onde apontava um velho e surrado chapéu de palha... podia contar... era o “Schusta”.

Se acontecia um acidente de carro, uma bicicleta tombava ou um cavalo perdia uma ferradura, a gente já sabia, o “Schusta” estava por lá, averiguando tudo e logo, logo, passava na rodoviária prá contar prá gente.

Se por acaso cruzava a rua principal, um caminhão carregado de porcos, não havia dúvida, o “Schusta” sabia a quantidade da bicharada, a procedência e até o destino da carga.

O “Schusta” era tão curioso, mas tão, tão curioso, que uma folha caia do arvoredo e ele saia correndo prá ver o que era.

Lá do outro lado da cidade se escutava um barulho de ferro na fábrica de cadeiras, e lá se ia o “Schusta”, saber que diabo de barulho era aquele.

Dava um vendaval e destelhava meia cidade? Pergunta pro “Schusta” quantas telhas se quebraram, qual o montante do prejuízo, quem foi o mais atingido, a velocidade do vento. “Schusta” sabia.

Se as moendas do moinho paravam para limpeza, o “Schusta” não agüentava a ansiedade, e precisava verificar o que houve, por que pararam, se estragou ou quebrou alguma peça, o que de fato foi ou não foi...

E quando se ouvia o barulho de um tiro então? O “Schusta” tremia de felicidade pois sabia que logo teria uma boa fofoca prá contar.

O “Schusta” sabia de tudo e de todos. Estava por dentro de todo acontecimento.

Os que aconteceram e os que ainda iriam acontecer...

Não havia o que o “Schusta” não sabia...

Queria saber por que o Venturino separou-se da Eusébia? Era só perguntar pro “Schusta”.

A filha da Gumercinda estava prenhe e ninguém sabia quem era o pai? Pois o “Schusta” sabia.

Tinham roubado as galinhas da Dona Inácia e do Seu Pitássio? Pergunta pro “Schusta” se ele não sabia o nome dos larápios... “Schusta” sabia. E ele dava até o CPF dos desgraçados.

Mataram um fazendeiro lá na Colônia das Almas? O “Schusta” tinha todas as informações do ocorrido, inclusive com detalhes e pormenores de onde e como a bala entrou e de que lado saiu do corpo do miserável morto.

Seu João Emílio era amante da Dona Celeste, a mulher do bolicheiro Fioravante do Rincão dos Sá? “Schusta” sabia de cor e salteado todos os detalhes do caso. Inclusive onde se encontravam e como realizavam suas façanhas extra-conjugais.

Se você queria descobrir algo na cidade era só perguntar pro “Schusta”! Ele sabia !

E ele ficou tão conhecido por sua curiosidade e fofocaria que logo pegou uma mania na cidade:

Quando duas pessoas conversavam e outra ia chegando por perto, alguém já gritava:

- Lá vem o “Schusta” !!!!!

Ou, se um vivente inventava de passar adiante uma fofoca, tinha de aguentar a xingação:

- Mas tu é um schusta de primeira, hein?

Seu Teodorico, que tinha mania de sumir por algumas horas do dia, quando perguntado pela mulher onde tinha andado, dizem os "Schusta" de plantão que o homem respondia cândido:

- Tava schusteando por aí!

Por fim, você não podia perguntar, contar e nem querer saber de nada do que acontecia na cidade, porque se você fazia uma pergunta sobre alguma coisa, já gritavam:

- Deixa de ser schusta, guria!

E pobre de você se perguntava dos desaparecidos:

- Onde anda o José? Alguém ouviu falar dele? Morreu?

- Ah! Mas capaz!!!! Tá schusteando por aí!

Se queria saber da Gumercinda:

- Fica quieta menina! Nem me fale nesse nome! Ela ficou tão schusta, mas tão schusta, que não dá mais prá aguentar!

E na época da semana Farroupilha???

Tá loko !!! Era uma schustaiama comendo “mondongo”, bailando e schusteando, que não acabava mais.

E assim, o sobrenome do homem (hoje já falecido) virou Verbo na cidade. E isso é assim até os dias de hoje. Pode acreditar ! Estou dizendo !!!

Se você por acaso se perder lá pelos lados de Independência, vai ver que todo mundo conhece o “Schusta”, fala a língua do “Schusta”, e passa a vida schusteando por ali...

E nem me invente de perguntar qualquer coisa sobre essa história do “Schusta” ser verdade ou não! Com certeza vais ouvir:

- Mas, báh tchê! Chegou mais um “Schusta” na cidade !!!

Maria
Enviado por Maria em 10/12/2014
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