Nordeste de barro
Sempre que alguém tenta desmerecer o Nordeste, começam a circular listas com artistas e personalidades que nasceram exatamente naquela região do país. Com isso tenta-se provar o óbvio, ou seja, que grandes pessoas nascem em toda parte e que esse tipo de preconceito não se justifica. Mas até hoje não vi nenhuma dessas listas que incluísse o Mestre Vitalino, que não apenas nasceu no Nordeste como inclusive fez dele a motivação principal para a sua arte. Parece-me que os próprios nordestinos ainda não lhe dão o devido reconhecimento – e, no entanto, eis aí um artista que conseguiu ter as suas obras expostas até mesmo no Museu do Louvre.
Verdade que o tipo de arte feito por Vitalino provavelmente não serviria como argumento para convencer quem já está inclinado a rejeitar tudo o que vier daquela parte do Brasil. É arte popular, primitiva mesmo, não tem formação acadêmica e não segue nenhum movimento artístico. Ora, falemos a verdade: Vitalino mexia com barro. E desde criança, quando brincava com as sobras do barro que sua mãe utilizava para fazer utensílios domésticos e vender na feira de Caruaru. Fazia pequenos bonecos, a princípio animais, como boi, bode, burro e cavalo – os que faziam parte do cotidiano rural em que vivia. Depois começou a modelar humanos e retratar cenários do sertão nordestino. As tradições em casamentos e enterros, a vida de personagens como os cangaceiros, o drama da migração, figuras do imaginário popular como o lobisomem, as atividades de vaqueiros, lavradores, lavadeiras, cozinheiras – todo o folclore e os costumes do sertanejo passaram pelas mãos de Vitalino e viraram bonecos de barro.
Um dia essas obras chamaram a atenção e foram expostas no Rio e em São Paulo, até chegarem a Paris. Não é muito que estejam entre os motivos de orgulho da região e bem poderiam ser pretextos para se valorizar o Nordeste na cultura nacional. A quem desprezar uma arte feita de barro, convém avaliar se acaso não acredita que foi criado pelo mesmo material.