122 ANOS DO MORRO DA LIBERDADE (bairro em que nasci)

No ano de 1892, migrantes nordestinos, principalmente maranhenses, não encontraram um Morro, quando começaram a criar um bairro na Zona Sul de Manaus. Contudo, encontraram liberdade para construir seus casebres, receber migrantes de diversos municípios durante a grande enchente de 1953 no Amazonas, praticar sua própria e infindável crença nos orixás no batuque da “Mãe Zulmira” que, anos mais tarde, pela inteligência do compositor Almeron, in memorian, foi transformado em enredo da Samba da Escola do Bairro – MÃE ZULMIRA – ALVORECER DE UMA RAÇA -. O símbolo na bandeira da Escola verde e branco é coroa, embora não exista um reino, a não a ser o que permitia crianças correrem livres nas ruas, ainda de barro, quando voltei a morar no bairro, que já foi conhecido por Tucumã e Cajual.

Nasci no Beco São Benedito, no Morro da Liberdade, em 1960, mas o bairro nasceu no dia 4 de dezembro (blog do Rogélio Casado), Era uma sexta-feira quando ele veio ao mundo e vim ao mundo 68 depois do surgimento do bairro. Devia ter sido tudo muito mais difícil do que quando o conheci, anos depois, em 1969. Na década de 40, outros migrantes também foram acolhidos pelo bairro, como o negro cearense conhecido por “Chico Balseiro”, que passaram a residir às margens do Igarapé do 40. O novo morador sobrevivia como artesão e uma espécie de “faz tudo”, porque também fazia rezas em crianças doentes e passou um líder no bairro.

Voltei da comunidade do Varre-Vento, no município de Itacoatiara, quando o bairro já tinha 76 anos, mas naquela época, correndo livre por suas ruas ainda sem asfalto, com luz, mas sem água em todas as casas, desconhecia que bairro tinha data de nascimento. Eu só queria estudar no Grupo Escolar Adalberto Vale, na primeira séria, mesmo já sabendo ler e escrever e fazer pequenas contas. Havia aprendido com a tia Terezinha da Costa Amaral, muitas vezes transportado para a “escola improvisada”, no motor regatão do Sr. Pantaleão, “seu Panta”. Vendendo velas com fósforo marca “Olho”, na calçada da descobri que seu “Panta”, residia em frente a indústria Amapoly Indústria e Comércio, na qual minha mãe trabalho. A família decidiu deixar a comunidade do “Varre-Vento” e morar na capital em uma casa de madeira adquirida do locutor da Voz Praiana, pelo meu pai, Paulo Costa, do sr. Kimura. Fui morar no bairro da Betânia, que surgiu de um loteamento improvisado, cheio de areia, cajueiro e buritizeiros, sem água, luz ou asfalto, ligado ao Morro da Liberdade por uma existia uma ladeira, onde cai de barriga descendo em carro de “rolemã” e contei que havia sido resultado de uma briga com meus colegas e havia perdido. Meus pais não me colocaram de castigo e nem brigaram comigo.

Cheguei com 8 anos ao Morro da Liberdade e ainda era difícil: tinha luz, mas não tinha água em todas as casas, tinha cemitério, muito mato ainda e havia defuntos sepultados no Cemitério Santa Helena, mas não existia asfalto. Na Rua São Benedito, a principal do bairro, era um matagal na época do seu Zé, mas já era toda de paralelepípedo quando voltei para estudar em Manaus. O paralelepípedo da rua acaba em frente a Amapoly e passava para o barro. Os ônibus de madeira Ana Cassia, da linha Santa Luzia, desciam rápido e sentava sempre no final do coletivo só para pular quando passava em frente a mudança de piso. Eu já sabia quando isso ocorreria, mas muitos passageiros, não. No final da linha dos ônibus Ana Cassia existia um comércio, em frente ao Batuque da Mãe Zulmira, cheio de mata virgem em volta. Mãe Zulmira foi a primeira “mãe de santo” do bairro que me recebeu de braços abertos, mas hoje não me conhece e também não o reconheço porque mudou demais! Eu tinha medo do barulho do batuque e muitas coisas eram contadas de ruim pelos meus colegas do Grupo Escolar, onde eu estudava. Muitas vezes fomos ao Batuque de Madeira para olhar pelas frestas e nos espantávamos com as imensas estátuas que existiam, muito coloridas.

Queria ter dito para ele “muito obrigado”, ao senhor Panta, mas ele falecera e nunca consegui agradecer-lhe por transportar-me pelo Rio Solimões em seu motor regatão, até a casa de minha “professora” e tia. Também podia seguir cruzando por baixo do cacual que existia de meu avô paterno, que separava nossa casa da casa de minha tia. Se fosse por baixo das sombras dos pés de cacau, cruzava um igarapé para chegar até a residência da Escola improvisada, para atender aos poucos moradores da comunidade. Sempre que a tia cobrava a “tarefa para casa” e não tinha feito, respondia que havia esquecido ao passar pelo igarapé. Se ela acreditava ou não, nunca soube e nunca tive coragem de perguntar. Algumas vezes chegava à Escola, chupando cacau que quebrava batendo em alguma pedra que encontrasse pelo caminho. Era gostoso!

No Portal Amazonia.com, ainda Lúcido 1982, reproduzindo o programa da TV Amazonas, “Fala Comunidade”, o cearense de 81 anos José de Souza, que chegou ao bairro aos 18 anos e montou um comércio com seus irmãos, contou a história do bairro narrou como teria chegado a água aos moradores, que só vinha até o vizinho bairro de Santa Luzia. Decidiu emendar canos, fazer a ligação, mas fora impedido pelo deputado Joel Ferreira da Silva. Se dirigiram ao Palácio Rio Negro, e falado diretamente com o governador Gilberto Mestrinho, que comandava o Estado naquela época. O Palácio Rio Negro, fora adquirido da família Shultz, pelo governador coronel PM Pedro Bacellar. Junto com outros moradores, abriu a Rua São Benedito, a principal do bairro e ajudou a construir a Igreja Coração Imaculado de Maria, em um terreno doado pela moradora Aquilina, quando o morador Justino, em 1954, apareceu pelas ruas do bairro pedindo esmola para construí-la e fazendo novenas todas as terças-feiras, embaixo de um pé de cajueiro usando uma imagem da santa e solicitando rezas em seu nome. Segundo a informação do antigo morador, a construção da Igreja demorou três anos. Seu Zé foi um pioneiro do bairro e se juntou a seis outros homens e abrir passagem para o desenvolvimento, abrindo a principal e mais importante rua do bairro, a São Benedito, onde voltei a residir, quase no final dela e próximo ao Igarapé do 40, para onde seguia a pé e pegava a catraia para pegar água no bairro da Cachoeirinha.

Tudo era muito difícil no bairro e o transporte das mercadorias se dava por carroças quando podiam ou de canoa, por um igarapé, que mais tarde virou igarapé do 40, onde tomava banho e atravessava de catraia com cor berrante ao bairro da Cachoeirinha. Era uma água transparente e com areia branca e fina em seu leito. Corria alegre pelo Campo do Bariri, empurrando pneus, aros de bicicletas e imaginando que fossem carros compactadores as ladas de leite que enchia de areia, colocava um arame ao meio, da tampa ao fundo. Aos finais de semana, assistia jogos “clássicos” dos times amadores do Libermorro contra o Olaria, comandado pela Dona Rosa, que o dirigiu por anos depois da morte de seu esposo. No ex-campo do Bariri surgiram Delegacia de Polícia, Hospital e Associação de Moradores outros serviços em benefício da comunidade. Segundo o portal Amazônia.com, o governador Álvaro Botelho Maia foi o responsável pelo loteamento do bairro do Tucumã, hoje Morro da Liberdade, surgido de uma parte do bairro Colônia Oliveira Machado.

Ah, Morro, eu morrerei não reconhecendo mais o local em que nasci!

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 06/12/2014
Código do texto: T5061072
Classificação de conteúdo: seguro