Cápsula do tempo

Furando uma cisterna no fundo da nossa casa, há muitos anos, meu pai encontrou algo que me deixou curioso: uma caixa de lata enferrujada, embrulhada em papel jornal dos anos 40 e amarrada com tiras grossas de pano apodrecido. Meu pai disse que podia ser uma bomba, ou urânio, ou césio, sei lá, algo perigoso, mas eu queria tanto abrir aquilo que o interrompi, dizendo: bobagem, pai, isso aí deve ser uma cápsula do tempo. Cápsula do tempo?, ele perguntou; é, respondi, tipo, brinquedos, fotos, cartas, que pessoas do passado deixaram para a posteridade. Poste o quê?, perguntou meu pai com cara de espanto, mas não expliquei para ele o que é posteridade, peguei a caixa e fui para o meu quarto abri-la.

Brinquedos velhos – soldadinhos de chumbo, aviõezinhos, coisas assim. Recortes de jornal dos anos 20, 30, 40. Cartas. Notas de falecimento. Fotos em preto e branco. De quem tinha sido aquilo? A caixa era grande, cabia muita coisa. Uma foto do meu pai pequeno. Meu pai? Olhei de novo. Era ele. Depois uma foto dele mais velho, muito mais velho do que agora... Não pode ser. “Francisco T. M., aos 75 anos”, estava escrito no verso da foto. Mas meu pai tinha 45 no dia em que abri a caixa, estava lá fora, furando a cisterna, feliz. Aquilo me intrigou. Foi quando vi a nota de falecimento... Meu pai... morto aos 86 anos... Depois minha mãe, tios... Meu Deus! Fotos do futuro, cartas minhas, enviadas de Paris, Amsterdã, Lisboa, lugares que eu não conhecia... e era minha letra, com certeza!

Num susto, fechei a caixa. Meu corpo todo tremia. É que eu tinha visto, de relance, um recorte de jornal com a nota do meu falecimento. Meu nome em negrito. Uma cruz em cima. Bordas barrocas. Não vi a data. Não vou olhar, disse para mim, e não olhei. Até hoje.

Passado, presente e futuro, tudo ali... Vidas. Uma vez eu pensei, e se eu nunca for à Europa?... Mas acabei indo. Na verdade, morei lá. Enviei cartas. E minha tia Heloísa morreu ontem, conforme previsto na caixa... As coisas estão acontecendo.

Não, não vou olhar. Não quero saber.

Abro a caixa. O tempo foge. É tudo tão rápido, penso comigo, e procuro, procuro, até achar.

Estou preparado. Vou olhar.

Não importa quando, onde, como...

Só importa viver.

Viver...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 06/12/2014
Código do texto: T5060808
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