Uma tarde na Academia Sergipana de Letras

Na data de 1 de dezembro de 2014, fiquei surpresa ao ser convidada pelo presidente da Academia Sergipana de Letras, Dr. José Anderson Nascimento, para sentar-me à mesa do sodalício, à sua esquerda, com a incumbência de providenciar as anotações para a ata, isto é, secretariar a sessão. A surpresa evoluiu para um pouco de alegria e de vaidade também. Então, vaidosamente, aceitei o honroso convite e, entre surpresa, vaidade e alguma timidez (a timidez não faz parte de minha personalidade), ainda meio off-line, tratei de me apossar de tão nobre missão. Escrevo diariamente, mas aquele momento me surgiu maior que eu. Tão maior que quase me sufocou. Assistindo ao desenrolar das atividades e ansiosos pelas novidades estavam os acadêmicos: Dr. José Anderson Nascimento (presidente), ao lado direito de quem, estava sentado o jornalista Cleiber Vieira (presidente também, mas da Associação de Imprensa Sergipana); os acadêmicos Luzia Maria Nascimento, Jouberto Uchôa de Mendonça, Jácome Góis da Silva (todos do lado direito da presidência) e o advogado Domingos Pascoal. Do lado esquerdo, além de mim, Tânia Maria da Conceição Meneses Silva (cadeira número 8 do MAC/Movimento de Apoio Cultural Dr. Antônio Garcia Filho), estavam sentados os imortais acadêmicos, Dr. Francisco Rollemberg e o juiz de direito e poeta, Dr. José Anselmo. Do lado da plateia estavam os meus colegas do MAC, as professoras Cléa Maria Brandão, Ângela Margarida, Jandira, Josefina Braz, Martha Hora, além dos habituais visitantes, o jornalista Cristiano Batista, o escritor Edson Valadares, a senhora, a poeta Avany Torres (acompanhada da sua irmã). Como é de costume, estavam em movimentação de apoio, a secretária e José, o simpático garçom, que nos serve com a distinção devida a nobres da monarquia. Enquanto o presidente examinava os documentos e os ordenava para oficialmente fazer a preleção oficial de abertura “em nome de Deus...”, se formou uma conversa informal entre os presentes sobre o inusitado de uma notícia veiculada pela mídia a respeito de uma vereadora sergipana que teria comparecido à sessão da Câmara Municipal dos Vereadores sem usar a peça íntima feminina, a calcinha. Passado esse momento de descontração, foi aberta formalmente a sessão pelo presidente. Assim foram iniciadas as atividades, algo não funcionou muito bem, pois, quando eu mesma, que escrevo este registro, passava para a segunda página da leitura da ata da sessão anterior, tão empolgada estava, o presidente me interceptou, pois descobrira que aquela ata já havia sido lida e que a prevista para este dia ainda não estava disponível. Não sou chegada a frustrações, mas estive perto disto em virtude dessa suspensão da leitura, mesmo porque gosto demais de leituras orais.

Dando prosseguimento ao expediente, o presidente da ASL mencionou a concessão do título de Dr. Honoris Causa ao professor Aloísio de Campos (in memoriam). Para tanto, a Universidade Federal de Sergipe, através do seu Magnífico Reitor, o Professor Ângelo Roberto Antoniolli, convidara a sociedade a participar, no dia 28 de novembro do corrente ano, às 16h00min, do lançamento do Selo Comemorativo e do livro intitulado Aloísio de Campos: os recursos minerais e o desenvolvimento de Sergipe, organizado pelo Professor Dílson Barreto. O evento integra a estrutura de comemorações ao centenário (1914-2014) do Professor José Aloísio de Campos. A programação para a celebração desse centenário teve início no dia 11 de novembro próximo passado com um concerto executado pela Orquestra Sinfônica da UFS, o que aconteceu no horário das 20h: 30min, no Teatro Tobias Barreto. O evento se estenderá em uma rica movimentação até os dias 17 de março a 16 de abril do ano de 2015, com a realização de uma exposição sobre a vida e a obra do professor homenageado, que estará exposta diariamente no Palácio Museu Olímpio Campos, no Centro de Aracaju. O folder contendo a programação in totum se encontra disponível aos interessados na Secretaria da ASL. Sequenciando o expediente, foi relatado o encontro e sessão conjunta (28 de novembro) das academias de letras, a Sergipana e a Itabaianense. Nessa sessão, a recém-criada academia da terra natal da saudosa Professora Maria Thetis Nunes, o Presidente Dr. Vladimir Carvalho de Souza se juntou à ASL para conferir solene homenagem a José Carlos Mesquita Teixeira, personalidade intelectual a quem foi outorgada a comenda Potestas Montis. Outro convite veio da Loja Simbólica Cotinguiba, também para uma sessão solene que acontecerá no próximo dia 17 de dezembro. Então, se fará a condecoração da Ordem Maçônica com a entrega da Medalha Carvalho Neto e os Certificados de Participação do Planejamento Estratégico em homenagem da Associação Sergipana de Imprensa ao jornalista José Eugênio de Jesus. Esse convite é assinado pelo venerável da mencionada loja maçônica, o Dr. Jilvan Pinto Monteiro. Foi, ainda, registrado que a ASL fará a entrega, em sessão ainda a ser determinada, do 31º. livro de autoria do advogado Jácome Góis, intitulado Não desanime, uma obra sobre a temática do comportamento humano. A seguir, colocado em destaque, o artigo sob o título A grande mestra Maria Lígia Madureira Pina (I), da autoria do Dr. Estácio Bahia Guimarães. O texto se encontra publicado no caderno Brasil/Opinião, da edição do Jornal da Cidade (domingo, 30/11 e segunda-feira, 1º. de dezembro de 2014 A -7). Estácio Guimarães prestigia a imortal sergipana (in memoriam), falecida no decorrer deste ano, registrando as realizações da mestra e a contribuição prestada à Educação. Ressaltou-lhe a atividade docente desenvolvida nos mais conceituados colégios em Aracaju, e, ainda, a produção de obras literárias, a exemplo do seu primeiro livro de poesia, Flagrando a vida. A palavra, concedida a Jácome Góis que, na oportunidade, renovou orientações sobre a necessidade de que todos os indivíduos mantenham uma atitude de autovigilância com os objetivos de eliminar energias negativas e promover a paz. É assim, segundo o advogado e escritor, que cada ser humano se preparará para o alcance da saúde holística, desenvolverá a capacidade de discernir e exercitará o livre arbítrio, a plenitude humana e a felicidade, enfim. A crônica Rua Itabaiana III, publicada, como vem acontecendo, no Jornal da Cidade, entrou em foco nesta sessão aqui relatada e foi lida pela Professora Cléa Brandão. Cumpre deixar registrado quanto ao gosto demonstrado, invariavelmente, por todos os que têm acesso à leitura dessas crônicas cujo estilo faz reviver em movimento e cores o passado e o charme da capital sergipana em tempos dourados. Entre essas crônicas, alinham-se, as que correspondem às ruas Laranjeiras, São Cristóvão. Capela, Santo Amaro, Pacatuba e outras. Para ilustrar o texto desta ata e crônica, eu que a elaboro e que tenho o privilégio de revisar os textos mencionados, seleciono uma passagem de Rua Itabaiana IV, a ser publicada:

“No casarão da esquina da Rua Itabaiana com a Rua Campos, pelo lado esquerdo, residia o empresário Antônio Fontes, proprietário das joalharias Fontes. No imóvel vizinho, no número 925, estava a residência do empresário do comercio varejista e maçom da Loja Maçônica Cotinguiba, Antônio Veriano de Assis, que fora sucedido pelo seu filho Antônio Fernandes Viana de Assis, advogado, político, empresário do setor hoteleiro e gestor público. Viana de Assis, como era mais conhecido, atuou como deputado estadual pelo Partido Republicado na legislatura de 1959-1962 e foi eleito para a legislatura de 1963-1967, porém teve o seu mandato cassado em abril de 1964, por ato da Ditadura Militar de 1964, pelo fato de que ele havia discursado e votado contra a cassação do governador João de Seixas Dória. No número 961 residia o médico e acadêmico Walter Cardoso, ocupante da Cadeira número 31 da Academia Sergipana de Letras”.

Assim que a professora finalizou a leitura da crônica, Jácome Góis reiterou a recomendação sobre a necessidade da publicação do livro contendo essas crônicas sobre as ruas do centro de Aracaju, memórias de José Anderson Nascimento. Como sempre, o tema das ruas da época da fundação da capital do Estado de Sergipe desperta o debate e uma série de contribuições com as menções a outras casas, famílias, estabelecimentos, etc. Foi então que, Dr. Francisco Rollemberg e a advogada Luzia Nascimento fizeram vir à tona outras contribuições de memórias que estão sendo colecionadas pelo autor para a futura publicação em livro de papel. Os imortais Francisco e Luzia relacionaram entre outros nomes de personalidades que viveram na Rua Itabaiana, os de Camilo Calazans e dos doutores Álvaro Silva, Ferreira Lima, Josemar Fortuna de Castro. Incontinenti, o Professor Jouberto Uchôa de Mendonça, em tom ameno e descontraído, pediu o aparte para dizer que bem gostaria de dispor das memórias de José Anderson Nascimento sobre a cidade de Aracaju. Registre-se a fala do advogado Domingos Pascoal, que trouxe ao plenário a Antologia da ANT/Associação Nordestina de Trovadores, organizada por Rosa Lia Dubelli, publicada em Recife (2014). Estas são duas trovas que abrem o livro e que são da autoria do trovador Adelmar Tavares:

Saudade-doce transporte

Da alma adejante e ferida...

É viver dentro da morte,

É morrer dentro da vida.

Disse um poeta em serenos

Versos doridos, tristonhos,

Que a mágoa se torna menos

Naquele que sofre em sonhos.

Nessa altura da sessão me foi concedida a palavra para que fizesse a leitura de uma crônica, de nossa autoria intitulada “O queijo e os vermes”. Em uma das passagens da crônica, a autora, Tânia Meneses, leva ao conhecimento do leitor que Menocchio, o personagem real e principal da narrativa,

"[...] teimosa e perigosamente enfiou na cabeça, bem entranhada nos miolos, uma explicação para a origem de todas as coisas que, ora parece da mais alta inteligência, ora parece tão somente uma conversa para boi dormir. Esse moleiro mais ou menos filósofo andava pelas terras da vila de Montereale, ao norte de Pordenone, Itália, onde nasceu, espalhando que o mundo se originara do caos, assim como os queijos talham e deles surgem os vermes. Disse tantas coisas esse senhor, inclusive ousou dizer que o Senhor Deus se originou do caos também. Achando pouco, Menocchio espalhava as mais inesperadas ideias sobre Cristo, a Virgem Maria e até sobre o Espírito Santo. Minha Nossa Senhora dos moleiros, que sujeito sem um pingo de noção do perigo. Tais façanha e insolência chegaram ao conhecimento da Santa Inquisição, foi a conta".

Como se nota, a inspiração para o texto veio da leitura da obra de Carlo Ginzburg, (1939, em Turim/Itália) professor na Universidade da Califórnia (Los Angeles), autor de livros traduzidos em quinze idiomas, um dos mais importantes e influentes historiadores da atualidade. A crônica pode ser acessada no link http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5049901

A leitura da crônica foi seguida de amplo debate entre os Imortais que trouxeram contribuições sobre vertentes do tema a exemplo de racionalidade, religiosidade, literatura, ficção, história e historiografia, personagens históricos, inclusive tendo sido citado por Francisco Rollemberg o nome do sergipano Francisco Carneiro Nobre de Lacerda que, segundo Nunes apud MENDONÇA, Manuel Curvelo de. Sergipe Republicano (Estudo Crítico) Rio de Janeiro, Casa Mont'Alverne, 1896. (http://fontesdahistoriadesergipe.blogspot.com.br/2010/12/o-social-na-historiografia-sergipana.html )

"Sob a influência da Escola do Recife, onde alguns tinham sido discípulos de Tobias Barreto, diversos bacharéis que retornaram a Sergipe, dentro as novas concepções filosóficas e sociológicas que os marcavam, como Manuel dos Passos de Oliveira Teles, Joaquim Prado Sampaio, Francisco Carneiro Nobre de Lacerda, escreveram estudos sobre sua terra natal. Intelectuais que falam do monismo, negam o direito natural, riem da metafísica, porém, não coram de escrever sobre as coisas do povo, sobre cacumbis e taieiras, lendas de São Cristóvão ou da Serra de Itabaiana, compõem poemas épicos narrando as conquistas de Cristóvão de Barros".

José Anderson, estendendo as considerações, reportou-se à obra O queijo e os vermes, incluindo observações sobre os estudos que envolvem Literatura e Direito, detalhes das vestimentas das vítimas da Inquisição e os diversos castigos e torturas impingidos pelo Santo Ofício, a Noite de São Bartolomeu e o caso dos huguenotes. Referiu-se ainda ao cientista João Ribeiro, à Escola de Añales e a outros intelectuais do porte de Gilberto Freyre e de Rocha Pombo.

A professora Ângela Margarida agradeceu a mensagem dirigida à sua mãe, a professora Gicélia Torres, no texto de Heredia, obra de Hunald Alencar. Foi depois disto que a vez de falar chegou para a poeta Avany Torres, distinta senhora que compareceu à ASL e fez a leitura de dois dos seus poemas, um intitulado Navegar é preciso, homenagem póstuma ao poeta Santo Souza. Destacamos a estrofe final, que contém uma metáfora carregada de significados e que remete à saudade do poeta homenageado:

Mastros se envergam e eu levanto as âncoras.

É pleno o mar de velas desfraldadas.

Sou sal e sol. Sou mar, sou liberdade,

barco à deriva em última viagem.

No segundo poema, Travessia, o motivo inspirador é a memória do acadêmico Luiz Antônio Barreto. A poeta busca atravessar os limites para o desconhecido, assim como se fosse conseguir aplacar as saudades do mestre. Desse poema, também coloco no foco das atenções a estrofe que o encerra:

Em que pauta se escreve o diário suspenso

Entre a manhã de sol e a tarde em agonia?

Em que lento crepúsculo navega

A itinerante nau da travessia?

Continuando o movimento natural da sessão, o presidente da ASL designou a Comissão cujo objetivo é o de apreciar os perfis e currículos dos candidatos à cadeira n. 27, vaga com o falecimento de sua ocupante, a professora, escritora Maria Lígia Madureira Pinna. A comissão tem como presidente o Dr. Francisco Rollemberg e é composta pelos membros Gílton Garcia, Jácome Góis.

O Presidente fez as preleções de encerramento e notificou que, na próxima segunda-feira, dia 8 de dezembro, dia santificado em honra de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Aracaju, não haverá sessão da ASL. E, em seguida, convidou a todos os presentes para a Confraternização Natalina a ser realizada no dia 12, em sua residência, no Bairro Atalaia.