CERTA VEZ, NO NATAL...
O primeiro Natal que guardo lembrança foi em meados dos anos 1970, no Bairro Guanandi. Morávamos todos na mesma casa de madeira e portão de balaústre, que, vista de longe, lembrava um grande vagão de trem.
Era muita gente do rosto parecido, primos entre si, dos quais eu era o mais velho. Não tínhamos hábitos religiosos, lutávamos pela sobrevivência e pouco tempo restava para as coisas divinas. Recordo deste Natal porque ocorreu pela primeira vez na nossa casa, uma celebração natalina.
Foi quando alguém teve a ideia de montar uma árvore de Natal. Achei estranho que colocaram algodão no tronco da árvore, mas gostei das bolas coloridas que dependuramos nela. À noite, enquanto as bolas coloridas eram acesas e um brilho intenso percorria nossos olhos, nos demos diante de uma mesa tão farta que o sorriso se abriu no rosto de todos.
Nunca fomos de fotografar eventos familiares, por isso posso me enganar, mas tenho comigo que foi um banquete e tanto, com direito a peru e castanhas, coisas difíceis na nossa mesa naqueles tempos. Foi a primeira vez que comi peru assado, e achei tão fantástico que até hoje a carne desse animal me remete imediatamente à noite de Natal. Lembro que um caminhão passou pelas ruas distribuindo brinquedos, não sei se por ordem de algum político ou por generosidade de algum cidadão.
Deu-se então uma intensa batalha para conseguir pegar um brinquedo no meio de tantas crianças. Com esforço, consegui um carrinho de plástico sem rodas e senti como se tivesse conquistado um troféu das mãos de um senhor do rosto bondoso, no seu inconfundível roupão vermelho.
Meses antes, comecei a juntar umas sobras de dinheiro, que escondi no alto da cumeeira, bem perto das telhas de barro, na intenção de comprar algo que vi numa banca de jornal. Quando chegou a véspera do Natal, faltava um pouco de dinheiro e me desesperei, amuado, num canto do quintal. Minha avó Aurora percebeu e quis saber a razão de tanto desapontamento.
Contei-lhe sem muitos rodeios a força que fiz para juntar a quantia que precisava para meu intento; ela então me lançou aquele olhar de ternura infinita e, no instante seguinte, caminhou nos seus passos arrastados até dentro da casa, voltando de lá com a bolsa surrada na qual guardava suas economias, e me deu a quantia que faltava.
Naquele mesmo dia, pedi pra minha mãe me levar até o centro da cidade e comprei a revista que tanto queria. Por mais paradoxo que pareça, não investi em nenhuma arte natalina, desprezei os presépios e comprei um gibi do Drácula, ilustrado em cores vivas, o vermelho de sangue em destaque nas presas do vampiro.
Devorei a leitura feito um sedento diante de um pote de água no deserto, enquanto, dentro de casa, todos prosseguiam celebrando o Natal que eu ainda contemplo em recordações, no intuito de eternizar aquele momento de carinho familiar que ninguém poderia supor existir naquela casa de madeira e portão de balaústre.