Nas mãos do cabeleireiro
Deus teve muitas ideias brilhantes, mas acho que dificilmente vou entender o que ele pretendia quando decidiu que nossos fios de cabelo não parariam de crescer nunca. Eu sei que o cabelo tem uma função, protege a cabeça contra os raios do sol e contra o frio, mas será que não dava para deixá-lo com o mesmo tamanho durante toda a vida? Por que justamente o cabelo deve crescer, e não, sei lá, as orelhas? Digo isso porque não me agrada ter que procurar a cada três meses um cabeleireiro (e se eu procuro é apenas porque a situação já se tornou insustentável e não existe mais pente que resolva). A isso se soma um cabelo naturalmente ruim e tem-se uma ideia do tamanho do desafio que eu deixo – a cada três meses – nas mãos do cabeleireiro.
Ou do barbeiro, pois eu corto o cabelo em uma barbearia. Ninguém vai lá para fazer a barba, embora ela também não pare de crescer (por que, meu Deus?), mas o lugar ainda se chama barbearia. É uma das mais tradicionais da cidade. Chego lá, pego o primeiro cabeleireiro que estiver livre, sento-me à cadeira, colocam-me um babador e oferecem-me revistas. Revistas! Já não se cogita mais que alguém passe um tempo entregue aos seus próprios pensamentos. Recuso, como também recuso o serviço de engraxate que oferecem para o meu All Star. O cabeleireiro pergunta como vai ser. Não rapando o meu cabelo, está valendo. Mas, por via das dúvidas, peço a máquina 5, e pediria a 6 se houvesse. E lá me deixo ficar enquanto ele corta.
Eu sei que é um trabalho sob encomenda, mas não deixo de pensar que, aos olhos do cabeleireiro, o que ele faz é uma obra de arte. Fico abismado com o cuidado que dedicam ao meu cabelo. Se eu não saio de lá mais bonito, realmente não é por falta de esforço da parte deles. E tudo isso a despeito da minha irresistível vontade de coçar o nariz ou espirrar tão logo eles comecem a cortar. Fico até sem jeito quando erguem aquele espelhinho e me pedem para avaliar o trabalho. Está ótimo, sempre está ótimo. Mas só por três meses.