O DESENCONTRO
Sentado, ali ao seu lado, saboreando um gostoso chimarrão, pedi que meu pai contasse mais alguma coisa de seus tempos idos; Ele pigarreou, franziu a testa e contou mais uma interessante história dele.
Escutei atento, fazendo algumas anotações.
Escreverei tentando ser ao máximo fiel a sua narrativa.
Assim...
Ainda vivendo os pungentes momentos do falecimento da mãe, Francisco resolve servir o exercito. Sua noiva Gertrudes tentou demovê-lo da ideia, mas tudo foi inútil.
Todo jovem, no fervor incandescente de seus 20 anos se apaixona doidamente, inconscientemente, mas especificamente no caso do Francisco foi muito mais a carência dos carinhos que sentia de sua amada mãe do que um amor verdadeiro desperto.
Foi um amor fugaz e inconsequente.
Ele conheceu Gertrudes num baile em Bonito. Pé de valsa como era, não perdia oportunidade, e sempre ia lá acompanhado do Armandinho Ribas, um velho amigo casado com sua prima.
No exército, lá de quando em quando algumas cartas trocadas, e nas folgas algumas horas juntos. Era véspera de carnaval quando recebeu um recado da Gertrudes informando que ia passar uns dias na casa do tio dela na Lapa.
Ótima oportunidade para se reverem.
No exército a disciplina é rude e não perdoa deslizes. Francisco tinha consciência disso.
Ganhou uma licença, mas não poderia arredar o esqueleto de Curitiba. Maquinou uma estratégia e foi a Lapa ao encontro da Gertrudes.
Era um risco que deveria valer a pena.
Chegou à boca da noite na casa do tio dela e a encontrou com umas tantas amigas, todas prontas para o baile.
- Já deixei a cama arrumada para você! Disse ela ao noivo já se despedindo dele.
Francisco um tanto chateado e magoado perguntou:
- Mas você vai mesmo a esse baile?
- Sim! Amanhã se vemos.
E elas lépidas, rindo atafulhadas, se despediram de Francisco.
E ele, acabrunhado, olhou aquelas meninas, feito potrancas soltas no pasto, se afastar rapidamente perdendo-se na curva da estrada.
Desenchavido pelo atrevimento da noiva, e com pouco assunto no momento, apenas trocou evasivas palavras com o tio dela, deu meia volta e bateu em retirada.
Era uma boa pernada até a pensão na Lapa.
Passou pelo clube dos alemães; A festa de carnaval estava rolando solta e muito animada, convidativa; Isto foi o suficiente para ele parar e entrar. Afogou as mágoas dançando o bom dançar como só ele sabe fazer.
Trocou a cama arrumada lá da casa do tio dela pela cama da pensão que ficava perto da estação do trem.
O sol ainda preguiçoso não tinha dado as caras, e o dono da pensão bateu na porta dizendo:
- Acorda soldado que o misto já tá chegando!
O misto parou, deu um tempo, e num apito rouco, nervoso, como se dissesse pelo jovem Francisco o adeus a Gertrudes.
Preguiçosamente o trem, preso nos trilhos, resfolegou ganhando velocidade despejando no ar um negrume da chaminé da máquina, deixando para trás a saudade, o amor e a ingratidão.
Francisco retornou sem problemas ao quartel.
Remoeu, meditou e decidiu.
Uma carta breve endereçada a sua noiva dizia.
- “Se suas amigas e o baile foram mais importantes para você do que eu, considere rompido o nosso compromisso”.
Ao final da narrativa aplaudi, dando um abraço no meu pai dizendo:
- Ainda bem que isso aconteceu meu pai, fico feliz em ter tido como minha mãe a doce e meiga Maria, a linda menina dos olhos azuis.