O NATAL DA MINHA INFÂNCIA
Com a iluminação natalícia e os sons festivos da quadra, chegam à minha memória, figuras e vozes familiares, com quem passei a santa noite de Natal.
Na casa de meu pai, não havia árvore. Dias antes da consoada, fazia-se o presépio. Cobria-se com pano cor-de-rosa, a velha cómoda de pau-preto. Com livros, formava-se a alcova ou gruta, que eram tapados com duas puídas bandeiras azuis e brancas, do tempo da monarquia.
O menino – de grande dimensões, – era então colocado, solenemente, no lugar. Era de madeira. Dizia meu pai, que a avó Júlia, ouvira, quando era cachopinha, que a imagem tinha sido esculpida por santeiro viseense, e fora pertença de antepassado, cujo nome se perdera. No alto, suspenso da parede, era colocada a estrela de papelão, coberta de folhinha de estanho, amarela, da qual saíam vistosas e brilhantes fitas, prateadas e doiradas, a jeito de dossel ou véu de berço.
As prendas – quase todas jogos didácticos, – eram compradas no Bazar dos Três Vinténs, na Rua de Cedofeita, no Porto, e colocadas sobre o guarda-fato, para evitar tentações…
A ceia, propriamente dita, era tipicamente portuense.
Na mesa, coberta de toalha escrupulosamente branca, eram colocadas as louças de cerimónia, e as grandes travessas, do tempo dos avós, repletas de: pencas, bacalhau - que se desfazia às lascas, - e batatas.
Havia sobremesa variada: arroz doce, creme torrado, filhós, sonhos, rabanadas - bem demolhadas em leite, doiradas na frigideira e cobertas de canela e açúcar, - pudim, bolinhos de abóbora-menina e bolo-rei; e como minha mãe era transmontana, havia rochedos – doce feito de amêndoa ralada.
Quando me sento à mesa, para consoar, sentam-se, igualmente, não só os vivos, mas também os mortos. Parece-me que ecoam, dentro de mim, suas vozes e palavras amigas.
Ouço minha mãe, contar cenas de menininha, e meu pai falar da avó, que o criou. Ouço, também, todos que comigo cearam, e agora festejam-No, lá no Céu.
Então revivo, com saudosa amargura: episódios, ditos, frases soltas, gestos, modos de falar.
Revejo, também, o cenário, que envolvia a nossa antiga e sólida mesa de jantar, que ficava no segundo andar da velha casa da família.
Os odores que chegavam da cozinha enfumarada: o agradável perfume a canela e açúcar queimado, e tantos maravilhosos cheiros, característicos da Noite de Natal nortenha
Terminado o jantar e distribuídas as prendas, as crianças, entretinham-se com os brinquedos recebidos, e os adultos, ficavam a conversar ou jogar, enquanto mastigavam: pinhões, amêndoas, nozes e fruta seca e cristalizada. Humedecendo os lábios, com doce vinho do Porto.
Penso que nas outras casas, as famílias se reuniam e ceavam de igual modo. Não fossemos, então, genuinamente tripeiros.
Devido à influência, vinda de fora, e a frequentes viagens, o Natal nortenho, pode ser hoje, um pouco diferente, mas creio, que na maioria dos lares, a tradição ainda é o que era.
Mais um Natal que passa! Mais um aniversário de Jesus! E de Natal em Natal, aproxima-se o fim…
Não pensemos, todavia, em tristezas…já que o Natal é festa cheia de alegria e Amor.
A todos, desejo uma noite santa. Uma noite em que Jesus não esteja ausente…mas sentado à nossa mesa….
.