Dona Luzia é uma figura ímpar. Usa, como bom costume ruralista, calças compridas sob o saia. Lenço na cabeça. Rugas na face. Sorridente com todos os dentes. Lembra um filme de Glauber Rocha, mas em gênero comédia. Tem atitudes engraçadas, que lhe são sempre perdoadas, pela figura. Tem-me em alta conta por ter-lhe acompanhado ao INSS quando obteve um BPC. Trabalha imenso no pomar do sítio, na sua horta de passatempo.Pereiras, lixías, laranjas, couves, batatas, cenouras, tomates.Passa por lá grande parte do tempo, que a vida está difícil e precisa estar ocupada para evitar pensamentos vãos ou pouco saudáveis. É generosa. Cultiva para si e para dar. Partilha o que tem e o que não tem. Por isso bateu-me sábado à portada casa da chácara com uma sacola na mão. Não eram mais que umas quinze ameixas que o peso da idade não suporta facilmente o peso de muitas ameixas. Mas a generosidade suporta quinze ameixas. Digamos antes umas ameixazinhas que, confirmei depois, possuíam uns sinais acastanhados da idade e do prazo. Trouxe pra vocês dois esta sacolinha. Não é muito, mas é de bom coração. Estava para levar para os porcos, mas depois lembrei-me do senhor, e trouxe aqui com muita amizade. Aceitei-as com a mesma amizade, porque é importante saber receber e aceitar. Mas recebi às pressas, para ter o tempo necessário de me conter. Contive-me até que ela deixasse a varanda e depois desatei às gargalhadas sozinho. Sim senhora, a consideração era tão genuína como castiça. Estava para as levar para os porcos, mas depois lembrei-me do senhor.