APELIDO AMOROSO

APELIDO AMOROSO

Os apelidos amorosos devem ser tão antigos quanto Eva e Adão. Eva deve ter usado esse artificio para convencer Adão a comer a maça. Deve ter chamado-o de maçãzinha do coração ou algo como maçãzinha adocicada. Acho até que foi isso que levou a serpente a incitá-los a comer a maça e assim, caírem no pecado e ter umas briguinhas entre eles para pelo menos nesses momentos se chamassem pelo próprio nome, isso porque tem apelido que é quase como um infarto fulminante.

Outro dia enquanto estava na fila ouvi o papo de um casal e foi a coisa mais broxante que já chegou aos meus ouvidos, nem sutiã com calcinha cor da pele no dia de ir a motel ganhava. O casal se tratava por paizinho e mãezinha. Meu São Sinfrôneo, o que era aquilo?! Fiquei imaginando eles na intimidade do lar nas diversas situações, do amor à guerra.

Imagine o homem falando para a mulher – Mãezinha senta aqui no meu colinho que hoje paizinho quer fazer você revirar o “zói”. Ou depois de uma briga onde não estão se falando a mãe fica o tempo todo gritando os filhos para dar o recado para o marido, - Filho avisa para “paizinho” que a comida está pronta e que hoje ele vai dormir no sofá de novo. É muito brega isso, e coitado de quem tem que ouvir esse apelido o dia todo.

Será que a pessoa não pode criar algo menos original, talvez duplicando a sílabas do nome! Olha como fica mais bonitinho os famosos Lulu, Fafá, Titi, Lalá, Queque. Claro que isso também tem seu risco e assim, o Antônio pode virar nome de cachorro, “Totó” e Conrado ou Marcos pode virar “Cocô”. Mas, com um pouco de cuidado pode dar certo. Tem também os diminuitivos que demonstram muito carinho: Fatinha, Selminha, Pedrinho. Minha amiga Clézia chama o marido de “Nego” olha que coisa mais meiga.

Não tem nada de anormal em ter apelidos carinhosos, mas tem uns que são mais que bullyng, chega a ser quase uma agressão auricular social. Ser obrigado a conviver com alguém chamando o outro o tempo todo de “Fia” é quase a morte. E ainda tem o agravante da entonação da palavra, algo como “Fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiia”. Um ser humano que chama o outro assim, não tem amor pelo parceiro, porque quem ama cuida e isso não é cuidar, é agredir a quem ama e a todos que estão próximos. “Fia, não é um apelido carinhoso nem aqui e nem na China.”

Outro apelido que pode ser enquadrado nos homicidas auriculares são os de bichos. Uma pessoa que chama o outro de gatinho não tem muita credibilidade, tudo bem que gatinho é carinhoso e bonitinho, mas quero ver você chamar alguém assim quando se está com raiva. Um casal de colegas o marido chama a dócil amada de “Dona Onça”. Muito respeitoso o emprego do “dona”, pelo menos esse pode ser falado com carinho e na hora da raiva faz jus ao que é, não tem pieguice, não tem diferentes entonações que parecem cantiga, é simples, “Dona onça” para todos os momentos;

Tem aqueles apelidos que além de não serem muito bonitos transmitem ou a insegurança do casal com todo o sentimento de posse ou a ânsia de mostrar para a sociedade o status de casados. “Meu bem” se enquadra em uma dessas situações.

A pessoa chama o marido usando esse apelido como se fosse amoroso, mas olha a posse transmitida pelo pronome “meu”. Eu já peguei e agora é meu, todinho meu esse homem que o padre falou que está unido a mim para sempre. Ouvindo uma conversa a distância deve parecer uma briga de casal prestes a separar os bens adquiridos no casório: meu bem... meu bem...meu bem, cada um escolhendo o que quer ficar após a separação. O apelido parece mais trágico que a separação.

Chamar de “Bem” já é um tanto quanto mal, imagina de “meu bem”. Tenho trauma, porque minha tia, Dapaz casada com meu tio João só o chamava assim e ficava andando pela casa e gritando “Bem”, oh “Bemmmmmmmmmmm” e enquanto meu tio não respondia ela não parava de gritar, aquilo fazia meu batimento cardíaco gritar junto e meu coração faltava sair pela boca e pular na dela para ela parar de gritar isso nos ouvidos dos outros. Porque ela não o chamava de Joãozinho e ele a chamava de Dadá, muito mais romântico do que esse negócio de “Bem” que deve ter sido criado por alguém que queria provar que o parceiro fazia muito bem na vida da pessoa e para convencer a todos passou a chamá-lo assim.

Na classe dos apelidos possessivos tem ainda “Minha Vida”. Vida cada um tem a sua. A pessoa fala com tanta posse que parece que ela tem duas vidas dentro de si, que mora uma outra pessoa dentro dela e elas batem papo e se relacionam o tempo todo, tanto que quando uma abre a boca a outra sente o sono. Quem ouve o tempo inteiro a expressão “minha vida” chega uma hora que esquece que existe que se refere ao marido, ele deixa de existir e a mulher começa a parecer uma viúva de vida dupla com marido morto.

Ana Cláudia chama Conrado de marido, deve ser para ele jamais esquecer que já saiu da vida de solteiro e para as amigas saberem que ela é casada e problema das que ainda não casaram, uma psicóloga deve diagnosticar como caso sério de autoafirmação matrimonial. Deve ser daquelas que o único dado preenchido nas redes sociais preenchido é o status casada.

Madame parece legal, meu amigo Anderson chama a mulher dele assim. Não sei como ela se sente, mas eu, só se de vê-lo chamá-la assim, lembrei da propaganda do mordomo que levava o papel higiênico na bandeja para servir a patroa. Esse apelido pode não ser bonito, mas pelo menos da uma sensação de grandeza, deve ser primo primeiro dos possessivos, parece que você é a patroa e que ele está ali para te servir.

As mulheres parecem ter mais necessidades desses apelidos metidos a românticos, mas que no fundo no fundo são grandes causadores de agressão auricular. Devia ter uma lei em defesa dos conviventes, proibindo a utilização de alguns apelidos e assim, nem que seja de forma indireta deve diminuir os infartos masculinos. Os coitados ouvem tanto alguns apelidos bregas e broxantes que isso aumenta a pressão e contribui para o número de infartantes ser bem mais alto entre homens do que entre as mulheres.

A lei devia decretar que em respeito ao amor auricular, os amantes ficam proibidos de usar apelidos amorosos que não sejam aqueles oriundos da palavra amor: amorzinho, amorzão, amoreco, mô, e qualquer outro que venha desse substantivo e dento das entonações possíveis, afinal somos um país democrático. Sendo punidos com o fim do amor, aqueles que descumprirem a lei supra.

Luciane Dias
Enviado por Luciane Dias em 28/11/2014
Reeditado em 28/11/2014
Código do texto: T5051518
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