Último Natal de Frederico
Procuro em livros de cartório e de igreja, em jornais antigos, em documentos velhos e amarelados, mas nada é capaz de me dizer o que foi o Natal de 1905. Pelo menos o que foi para o meu trisavô, o velho Frederico Fendrich, que pela primeira vez em mais de 30 anos passava um Natal sem a companhia da esposa, morta uma semana antes.
Imagino este Natal particularmente triste porque sei o que viria a seguir – no mês seguinte, o próprio Frederico faleceria repentinamente, sem conseguir superar a perda da esposa (os jornais dirão que, depois de viúvo, a vida para ele era um infortúnio). Acho provável que o fato de ocorrer tão próximo ao Natal tenha piorado o seu estado. E é bem possível que este Natal de 1905, o mais solitário de todos, tenha contribuído para uma excessiva liberação de hormônios do estresse no seu organismo, sobretudo a adrenalina – isso acabaria por sobrecarregar o seu coração, levando-o a uma paralisia fatal.
Em bom português: Frederico morreu de amor. Os próprios médicos chamam o problema, em geral reversível, de “síndrome do coração partido”. Não é um enfarto, as artérias sequer chegam a ficar obstruídas: simplesmente acontece de o músculo cardíaco enfraquecer, enfraquecer até paralisar diante de uma experiência tão traumática como a perda de alguém querido. É por isso que imagino tão terrível este Natal de 1905.
É possível que Frederico ainda aparentasse força – foi ele próprio quem foi ao cartório registrar o óbito da mulher. Dali em diante seria apenas ele e os filhos, mas os filhos já estavam grandes e em breve iriam querer casar e sair de casa, e então seria somente ele mesmo e ninguém para tomar conta dele. Deviam ser inquietantes os pensamentos que lhe ocorriam, em nada compatíveis com o espírito da festa que se comemorava.
Poucos dias antes de morrer, a cidade se sensibilizou com a notícia do naufrágio do Aquidabã, em Angra dos Reis – houve até hasteamento de bandeira. Não sabiam ainda que ali, bem perto deles, um outro navio já começara a afundar.