PARA SEMPRE AMALDIÇOADO PELO AVÔ (Pt. 1)

Pela teoria cognitiva, o ser humano se desenvolve em 4 fases. Sendo que as fases da infância costumam se pronunciar de 7 em 7 anos, fechando o ciclo à cerca dos 21 anos. Cada setênio desses define a capacidade de aprender e de expressar o aprendizado que possui o indivíduo.

Pedrinho torcia ferrenhamente para o Cruzeiro de Minas Gerais, tal qual seu avô, que, se aproveitando, sem saber, da fase pré-operatória do garoto, o institucionalizou a torcer. Praticava, Pedrinho, futebol na escolinha e se encontrava invocado, pois acabara de perder uma partida pelo placar de 1 a 0. O autor do gol derradeiro foi Tiaguinho, o coleguinha atleticano de Pedrinho, que lhe dera um belo chapéu antes de correr para marcar o gol da vitória de seu time. Pedrinho ficou furioso por perder o jogo e ainda tomar um chapéu do autor do gol que decretou sua situação funesta.

Ambos os garotos mudavam de fase. Contavam 7 anos de idade cada. Saíam da fase pré-operatória, segundo Jean Pìaget. Mas Pedrinho se mantinha estagnado, enquanto Tiaguinho estreara na operatória concreta com jeito de pular essa etapa. Muita gente acreditava que ele ia direto para a operatória formal. Talvez fosse pela razão de os pais "presentes" de Tiaguinho criá-lo sem contaminação por flúor e outras substâncias que arrasam com o cérebro, levando-o a valorizar a alimentação mais orgânica possível, conservando-lhe a tireoide em perfeito estado, pois uma das coisas que Tiaguinho não faz é passar o tempo a comer porcaritos. E outra coisa que os pais de Tiaguinho fazem é fazer com que o menino dê ênfase a brinquedos que o ajudam a construir seu conhecimento em vez de se alienar com simuladores que assumem o controle da educação e distorcem a realidade, como os videogames e a televisão, que Pedrinho, a mando do avô tanto cultua.

A justificativa do avô para que seu neto se contamine com esses instrumentos de engenharia social é ele achar que o acesso às tais ferramentas dá um status de pessoa importante, moderna e bem-sucedida a ele que propicia ao neto tais coisas – ou seja: um valor equivocado e uma intenção egoísta – e dá ao neto a impressão pelos demais com que ele se relacionar de que Pedrinho é alguém superior no grupo. Conforme o patriarca, deve ser ele, Pedrinho, por causa disso, cortejado, invejado ou a dever observar, naqueles que se relacionam com ele, resignação diante a tanta gentileza que a vida lhe proporcionou. Alguém a ser respeitado e a servir de referência. Conforme o avô engenhava, tudo que Pedrinho fizesse deveria ser imitado por aqueles que desejassem a prosperidade que Pedrinho supostamente tinha.

Só que havia um valor que o avô de Pedrinho não podia modificar e que ele sabia ser digno de enquadrar o garoto e ele próprio em uma lista negra de atos falhos que faz com que qualquer coisa que na cabeça dele pudesse parecer vantagem se transformasse em coisa insignificativa por ser importante demais para todo o meio social e para todo indivíduo que cresce nele. A filha dele, mãe de Pedrinho, se envolveu com um vagabundo, virou primeiro usuária de droga e depois traficante, ladra e estelionatária e foi parar na cadeia, que é onde ela reside agora. Com o pai também preso, Pedrinho não pode ver ele e nem a mãe com a frequência ou com a liberdade com que várias crianças da relação de Pedrinho podem.

Mas Pedrinho, pô, cruzeirense e com seu time a um ponto de faturar novamente o campeonato nacional de futebol mais importante do país, achava que não tinha que se submeter à frustrações só porque levou um chapéu de um atleticano antes de ele fazer o gol que deu a derrota para seu time e fecundou a situação que Pedrinho vivia. Pô, gente, Pedrinho se achava superior por ser cruzeirense e o que o sistema providenciasse para o time dele no ano o isentava de qualquer humilhação.

E o sistema do futebol, regido pela CBF e pela Rede Globo, que obedecem a demandas socioeconômicas para determinar o script das partidas e os campeões de cada torneio nacional na temporada, dadas por seus patrocinadores ou pelo Governo, Governo aqui mencionado: o real obscuro, para fins de engenharia social, tem utilizado bastante para atender suas demandas o time que o avô de Pedrinho o condicionou a torcer. Logo, Pedrinho tinha o aval do sistema para não se indignar nunca com nenhum oponente. Era assim que trabalhava a cabeça engenhada do avô e era assim que a cabeça de Pedrinho se formava e ia se escravizar pelo tempo que Pedrinho vivesse. Tal qual o avô, Pedrinho estava sendo preparado para agarrar a única oportunidade que temos para viver de maneira a condicionar sua felicidade aos acontecimentos do futebol. Ou seja: na verdade, Pedrinho ia ser infeliz sem saber que foi. Tal qual o avô. Preocupando com pouca bosta, criando rivalidades e inimizades e se contentando com uma vida insípida, mantida à base de aparência, equivocada, inútil.

Arrasado e atrás de uma reversão de sentimento, já sabendo da preferência futebolística de Tiaguinho, Pedrinho, então, foi até o colega de torneio e lhe disse:

– Ganhou o jogo, fez o gol, mas o meu time é quatro vezes campeão brasileiro, tem duas Libertadores, tem quatro Copa do Brasil.

Que, é claro, não foi com esse português, pois Pedrinho não tem a consultoria para falar bem que Tiaguinho tem com seus pais. O avô de Pedrinho, como a maioria dos proletários torcedores de futebol, não tem muita instrução, não sabe falar direito e nem se preocupa com isso. O importante para ele sempre foi o time que torce estar em vantagem perante aquele que estabeleceram para ele como rival. E estar melhor nesse meio idiota é ganhar mais títulos importantes, não importa se de maneira duvidosa ou ajeitada nos bastidores dos administradores do certame. É óbvio que o avô de Pedrinho nem suspeita que futebol é assim e se um dia aparecer alguém lhe contando isso de maneira a arrancar-lhe a impressão que tem ele vai sucumbir aos argumentos de resistência que a própria engenharia social que ele sempre sofreu na vida preparou para ele usar.

Do jeitinho que o avô de Pedrinho era engenhado para falar para aquele que obtivesse vantagem sobre ele e fosse atleticano, Pedrinho falou para Tiaguinho. Quero dizer: Se Tiaguinho não fosse torcedor de time algum, Pedrinho teria só que amargar a derrota e a jogada sofrida. O máximo que podia acontecer era ele ir falar essa mesma coisa para Tiaguinho, com este indiferente, e dizer: "E você, que nem time tem". E com isso se sentir melhor por achar que torcer para algum time é uma enorme vantagem em relação àqueles que estão com a mente livre do futebol e em condições de enxergar o mundo tal qual ele é e fazer as melhores escolhas em pró do seu futuro.

Só que Tiaguinho, embora um garoto prodígio, que vem avançando duas fases por etapa que passa, é inteligente bastante para permitir que um garotinho estúpido que nem Pedrinho consiga o oprimir. E também, Tiaguinho, esperto, já acha que ele pode tentar libertar a cabeça do coleguinha. Foi por isso que ele respondeu:

– É, realmente o time que você torce tem isso que você fala e o meu não tem. Mas eu me conforto não é com o fato de o time que eu torço ter ou não ter tais conquistas. Meu projeto de vida não é ver meu time campeão de nada. Eu prefiro saber que posso ver meus pais, e principalmente minha mãe, quando eu quiser, ter o carinho deles, aprender as coisas boas que eles têm para me ensinar, do que qualquer alegria boba passageira que o time que torço possa me oferecer. Você pode as duas coisas? Se não, eu sinto muito, mas eu acho que poder estar com a minha mãe e saber que ela tem um passado não manchado é que é importante para mim. Fim de discussão. Não costumo perder tempo discutindo coisas fúteis como futebol.

Detalhe: O português de Tiaguinho está na narração tal qual ele pronunciou.

Pedrinho ficou puto da vida. Tomou um choque de realidade. Quis bater no coleguinha, quis pular de uma ponte. Mas o que ele fez mesmo foi ir para casa. Ia já contar o ocorrido para o avô e ver com ele qual seria a resposta que ele tinha para lhe dar, a qual o garoto iria correndo desforrar-se de Tiaguinho com ela.

E não pára por aqui não. Continue a ler o conto.