O espectro da saudade

Na corrida da vida de forma inesperada, encontramos pessoas, estas por sinal, entram e saem a todo tempo dos nossos caminhos. Algumas ficam na efemeridade da vida e logo se perdem, mas outras estão refugiadas sob a tutela do coração. Vez ou outra a memória que as resguardou tão bem, traz à tona os queridos, as lágrimas vem e tentamos nos conter.

Afinal de contas, quem nunca sentiu-se apartado de alguém amado, seja de um amor, de um amigo, de um irmão. Entrementes, o amor é amigo, tem que ser irmão pra compreender o(a) companheiro (a). O amor que desperta a felicidade em meio as tribulações, que faz-se pavilhão e esconderijo na tempestade. Que desatina uma coragem perspicaz de vencer cada etapa; alimentado pelo sorriso pelo aperto de mão, pelo beijo ou pela simples e valiosa companhia do ser amado.

Essa necessidade de amar e de permitir inflamar-se desse amor em si mesmo e no outro, não é frivolidade. Pois, sem o amor a vida é apática e inerte no cotidiano, no tic-tac que não para. Sem sabor seguiria o caminho, mas o amor despertara, todavia há de findar-se. Eis a questão, quando findar como viver sem o tempero do amor? Quando a vida nos apartar do ser amado, como prosseguir? Como resistir a saudade?

Quanto ao amigo há de ser um amor inflamador e ardente que traz alegria ao coração, logo o sábio Salomão disse – “há amigos mais chegados que irmãos”. Conclui-se que os amigos são irmãos da alma e amores que não sofrem o divórcio, apenas o descaminho.

É isso mesmo leitor, o descaminho, a vida põe cada um em desertos, ermos e procelas distintas; e nós vamos trilhando achando que estamos sozinhos no caminho, neste que se queria viver com o amigo. Mas o amigo nos ensinou e aprendeu algo conosco, logo nesta mescla de saberes, ninguém está sozinho de alma; sim, sozinho de corpo presente, por que o amigo partira, voara, ganhara o mundo, ou até mesmo morrera.

Mas na alma e no intelecto eles são estrelas de um céu que é ativado na hora que nós nos deparamos com um problemão. Neste instante, lembraremos dos conselhos do amigo mais sério ou das brincadeiras do amigo mais engraçado. Enfim, estes são constelações arquivadas na placa mãe da alma.

E o irmão? Aquele que cresceu conosco, brincou, brigou, zombou, aprontou. E tanto nos fez rir e chorar, mas sem eles a família não tem graça. Porque eles são como luzes que alumiam a casa e as trevas vão embora porque há uma explosão de alegria. Também são como o sal, dão gosto ao viver, nos dão razão pra prosseguir, conserva-nos por aqui em meio a tantas labutas diárias.

Mas a saudade é imanente desses amores que a alma condói-se, não aceita de forma inteligível a ruptura do caminho, para um novo caminho, um descaminho do nosso. Precisa-se entender com o coração, mas ele é emotivo e não entende que o amor, amigo, irmão se foi e nos deixara sozinhos.

E agora o que fazer leitor? Aprender a trilhar sozinho o que começamos juntos; separados é mais difícil. Mas meu caro, o espectro da saudade só pode ser manifesto quando faz-se necessário observar as pedras, as durezas, os espinhos que em companhia seriam amenizados pelo amor afagado do amigo, ou pelo amor amigo ou pelo irmão amigo. A ausência reflete que a presença valeu a pena, logo o colo, o beijo, o abraço, o carinho foram significativos.

Corpóreos, “almáticos”, feridos às vezes pela discrepância de temperamentos, ideologias e crenças tão distintas. Digamos amado, que a saudade é como uma avaliação do eu, das ramificações e das implicâncias do ser e está nesta peregrinação terrena. Mas ninguém é uma ilha sozinha, isolada. Por isso, as inter-relações se dão e algumas criam raízes. Raízes necessárias para o aprofundamento e construção do eu que na hora certa tem que aprender a trilhar sozinho, ainda que sobre a tutela do espectro da saudade.

IASMIM S FERREIRA
Enviado por IASMIM S FERREIRA em 22/11/2014
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