Chuva
Na chuva, os três.
- Vocês já pensaram se suas existências tem um porquê?
Lúcio apoiou as mãos no volante.
- Que merda é essa agora hein?
- Pô, sei lá, a gente travado nesse engarrafamento, o assunto já esgotou, é de se pensar na vida. A chuva faz isso com as pessoas
- Na vida, não nisso.
- Olha, não precisa me produzir um artigo, só me diz o que tu pensa.
- Não sei bicho – disse o outro no banco de trás – As vezes eu acho que isso aqui é só uma viagem, entendeu, que nunca acaba, um ciclo. Que a gente nasceu aqui e quando morrer vamos começar de novo em outro lugar.
- Que porra é essa que cês tão fumando?
- Eu acho que o mundo é uma casa, sabe, que nós moramos por um bom tempo, mas que não tem nada demais. A gente é jogado aqui assim, meio sem querer mesmo. E justamente por causa de isso, faltando alguma coisa, tipo um cachorro sem osso ou um artista sem plateia, essas coisas desse tipo. E o nosso objetivo é justamente da sentido a essa existência, é ir atrás desse nosso objeto que falta, entende, nem que a gente tenha que criar ele.
- Você traduziu Riders on the storm?
- Não interessa o que eu traduzi cara, é uma reflexão.
- É uma bosta.
Rafael se acomodou no banco de trás. Abriu a janela, bateu no cigarro pra tirar as cinzas.
- Lúcio, qual é seu objetivo de vida?
- Ah, não me vem com essa você não, Fael
- Não, cara. Olha, a gente é amigo a mais de dez anos, já nos seguramos em tudo quanto é perrengue, nós somos uma porra de um tripé. Eu me sinto mais a vontade aqui com vocês do que na minha família. Mas, porra, eu não me lembro da gente ter tido uma conversa profunda sobre a vida e essas coisas a um bom tempo, cara. A gente tá terminando a faculdade, as coisas tão ficando serias, esse aqui talvez seja um dos últimos momentos que a gente possa curtir assim numa boa. Você nunca parou pra pensar o que você veio fazer aqui nessa vida?
- Vocês sabem que eu não acredito em destino e essas coisas.
- Tá, mas o que você quer fazer do seu futuro?
Lúcio suspirou.
- Até agora eu penso em arranjar um emprego de engenheiro, comprar uma moto, uma casa, entupir ela de cachorro e morar próximo de um pub com bandas maneiras.
- Você não vai ter 24 anos pra sempre. – Ricardo bocejou e aumentou o som.
- Eu sei. Olha, a gente já vai chegar, chega disso, amanhã a gente provavelmente nem vai lembrar.
Nesta noite, Lúcio deitado na cama fitava a janela. As gotas caiam. Sua barba coçava. Enquanto esfregava seu queixo, relembrava de seus momentos de infância, quando desejava ferozmente ser um adulto. Suspirou. Não tinha mais idade pra isso.
A chuva faz isso com as pessoas.