Quebrando a rotina
A dor lancinante no abdômen me acordou à uma da manhã. Tentei ignorá-la, driblá-la, jogá-la em um canto qualquer . Peguei o livro de Dostoiéviski . Parte final, reveladora. Nada me interessava. Nem a literatura, nem a poesia. O tempo parou. Mas a dor avançava, a galope.. Levantei e tomei 40 gotas de um analgésico. Nem cócegas fez na danada. Não havia adversário pra ela. Queria reinar com seu poder absoluto. Tirano. Esperei pacientemente o dia chegar. Pedi a Deus socorro. Mas , às vezes não podemos exigir tanto dEle . Imagina, quantos no mundo não estariam àquele momento fazendo o mesmo pedido? Há que se ter paciência. O dia amanheceu emburrado. O sol nem quis mostrar seu sorriso. Nem eu. Tentei fazer ainda algo. Mas a dor era mais forte que a minha disposição e me impedia de qualquer iniciativa que não fosse a entrega. Liguei pro meu filho. Fomos para o Hospital. Lá, a situação não era diferente da de Deus. Muita gente na fila. Muita gente com dor. As mais variadas. Poucos médicos, poucos leitos, e o jeito era esperar. Mas fiz um reboliço. Reclamei, reclamei até ser atendida. O médico – jovem, recém-formado, interessado - foi atencioso. Pediu uma bateria de exames. Mas não soube diagnosticar a origem da dor apenas com o exame clínico. Fiquei no soro algumas horas. Em uma dessas poltronas de hospital, sem conforto, rodeada de outros enfermos, em uma sala pequena, espremida, ali éramos consultados. Todos – ricos, pobres, jovens, velhos, eruditos, ignorantes, - sem predileção. Todos eram atendidos pela ordem da dor. As mais urgentes, eram primeiro atendidas. E como havia esta tal classe. A toda hora chegava uma ambulância que trazia um paciente grave. A posse, a pose, o título, o poder, ali nada adiantava. Somos todos iguais perante a enfermidade. Concluídos os exames, após mais de seis horas de espera, eis o diagnóstico: nada. Não era uma virose! Mas o meu diagnóstico era sim de uma virose, porque meu filho ainda não havia saído do mesmo quadro , após uma semana de luta. O médico me mandou pra casa com uma receita quilométrica e com uma recomendação: se não melhorar a senhora volta. Ainda tive dor, fraca, esta noite, febre, e inquietações, mas, entrego agora este mal estar passageiro nas mãos de Deus. O nosso médico maior. E, nessas horas, amigos, de batalha com a dor, com o desconhecido, como disse nosso grande filósofo Voltaire, “ Si Dieu n’existait pas, il fraudrait linventer” -- “ E, se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo “ ...
Benvinda Palma