A CONTAGIANTE ALEGRIA DE DONA VAL
Dona Val mora na Moreninha e acorda todos os dias de madrugada. Antes das sete da manhã, precisa bater o ponto no seu trabalho, que fica do outro lado da cidade, no bairro Nova Bandeirantes, num supermercado que costumo fazer as compras.
Pega o ônibus integração, percorre vários quilômetros no coletivo lotado, sorrindo com todos e, com orgulho, comemorando que já se passaram vinte e seis anos naquela profissão. O meu dia começa bem depois, acordo, escovo os dentes, passo os olhos no jornal e aguardo meus filhos se aprontarem para ir à escola. Dou uma apressada na minha turma quando os ponteiros do relógio avisam que faltam poucos minutos para as sete horas. Vou dirigindo e me enfezando a cada quadra: o trânsito da cidade acaba com meus nervos.
As crianças caminham em direção à escola, fico acompanhando com os olhos até que atravessem o portão de entrada.
Prossigo a rotina, próxima parada o supermercado, comprar os pãezinhos que certamente estão saindo do forno. Percorro mais alguns quilômetros, meu rosto arde a cada esquina, motos atravessam a pista lateral, quase não as vejo, o carro da frente para de repente, a batida só não acontece porque estou atento e piso nos freios a tempo.
Estaciono perto da entrada e ainda assim não me dou por satisfeito, invocado com a vaga dos idosos que estão mais próximas e sempre vazias. Desligo o carro, mas não consigo desligar a raiva.
Atravesso o pátio sem olhar para os lados, não dou bom dia para ninguém, o trânsito me transformou num monstro insensível. Vou direto para a sessão de pães e logo me irrito ao perceber três pessoas na minha frente. Detesto filas. Procuro as horas no relógio. Estresse total.
Vivo apressado, até quando não tenho nenhum compromisso marcado, no máximo uma reunião de trabalho que se dará dali a meia hora. Ainda assim me enfezo e fecho de vez a cara. É quando surge a dona Val e seu sorriso aberto. Passa do outro lado do balcão empurrando o enorme carrinho com os pães assados, o sorriso contagiante estampado no rosto de plena felicidade.
Acena para todos, muitos ela conhece pelo nome, sou um dos que recebe a cordial saudação. E vai contando como começou o dia, sem de nada reclamar, discorre sobre sua vida, os quatro filhos, doze netos e três bisnetos, nem mesmo a recente viuvez a aflige, diz que é feliz porque tem um trabalho, afirma que gosta do que faz e eu me sinto uma mísera fagulha de ser humano.
O seu carisma é tão contagiante que faz sumir a pressa e todos os meus aborrecimentos, contaminados pela alegria da dona Val. Ao sair de lá, já sou outra pessoa, encaro a vida com ternura, escuto uma música suave, sem me importar com as motos e carros que passam acelerados ao meu lado, remédio que recebo na simples observância de uma pessoa simples, que sorri para o mundo mostrando o quão belo é viver.
Ah, dona Val, como diz a canção do Vinícius, ”que bom seria se todos fossem iguais a você”.