MAS QUANDO QUE NO NOSSO TEMPO A GENTE ANDAVA ASSIM
Praça da Bandeira. Colégio Paes de Carvalho. Quartel General do Exército Brasileiro. Prédios antigos. Cada qual com suas histórias de uma bela época, registradas em cada tijolo, em cada parede, em cada fachada. Tudo isso imbricado com camelôs, parada de ônibus, banca de revistas, automóveis, muitos automóveis, disputando cada centímetro de um asfalto preto e superaquecido pelo sol escaldante do meio dia, exalando cheiro de petróleo; mangueiras, velhas e bondosas mangueiras, esforçando-se por afagar carinhosamente com suas sombras todo ser que se move e respira.
Em frente ao Quartel, jovens saindo de seus plantões, impregnando o ambiente com suas jovialidades e sorrisos nos lábios, sorrisos largos e desprovidos de qualquer pudor, proveniente de quem está no ápice da juventude.
Na praça, jovens estudantes do Colégio Paes de Carvalho embelezam a Praça da Bandeira. Todos trajando os seus tradicionais uniformes. Os meninos com suas blusas brancas de botões, calças azul-marinho de tergal, sapatos pretos e meias brancas. As meninas também com suas blusas brancas de botões, saias (minissaias) azul-marinho de pregas, sapatos pretos de saltinhos, um tanto quanto delicados, e meias brancas que alcançam com suas bordas uma altura acima da metade de suas canelas. Todos aguardando o horário da entrada, para o início as aulas.
Percebia-se nos rostos de cada estudante um ar de despreocupação, um ar de eternos enamorados da vida e de seus parceiros, um ar de eternidade, de quem só vê a vida e nada mais. Recordei-me de meus tempos de estudante, tempos de minha adolescência, tempos de despreocupação, onde tudo era belo e eterno.
Na parada de ônibus, pessoas com um semblante de cansaço, de muita fadiga e estresse, permaneciam uma ao lado das outras sem ao menos dar um sorriso ou trocar um solilóquio. Eram todas adultas. O tempo nos faz perder o sorriso natural, nos faz perder a despreocupação, nos fazer perder de vista a vida bela.
No entanto, de repente, não mais que de repente, todo aquele cenário de sisudez e casmurrice foi anulado pela presença de duas senhoras, senhoras de longos anos, mas de espírito jovial. Eram duas mulheres que demonstravam certo apreço por suas aparências. Cabelos pintados de um tom loiro meio acinzentado, sobrancelhas feitas, lábios pintados com um tom cor de pele, vestidos estampados. Tentavam a todo custo esconder os amarrotados da pele do rosto, mas, “passim”, via-se os vincos nos cantos dos lábios e nas extremidades dos olhos. Certeza de que cada linha de suas tezes escondem histórias de uma vida privada.
Elas estampavam um largo sorriso nos rostos. Sorrisos contagiantes. Já vieram puxando assunto comigo, perguntando a respeito de ônibus e seus itinerários, tudo isso sem perder a alegria que irradiavam de seus interiores. Respondi-lhes, ainda que meio atordoado pela interrupção inopinada de minha sisudez, que não poderia ajudá-las. Tentei sorrir-lhes. Acho que consegui. Mas não tive palavras suficientes para continuar aquele diálogo amistoso. Elas então continuaram conversando entre si, perceberam que eu estava ali, mas era como se não estivesse.
De repente, percebi que algo lhes havia chamado atenção porque uma catucou a outra, apontando com os olhos para certa direção, haja vista que em determinadas situações apontar com as mãos é incabível. Segui a direção apontada pela alegre senhora e vi o que tanto lhes chamou a atenção: era uma jovem estudante que caminhava em direção a um ônibus que lhe atendera a solicitação de parada.
Ali estava uma estudante esbanjando juventude, alegria e beleza. Caminhava em passos lentos, tendo como ponto de apoio aponta dos pés, pois seus calcanhares estavam levemente suspensos pelos saltinhos de seus sapatos. Caminhava como se tivesse em uma passarela, sendo avaliada por jurados.
Sua saia, com um curtíssimo rabo de saia, tremulava ao atrito do vento e do chocalhar de seus passos. Suas pernas brancas, quase que totalmente expostas ao tempo e aos olhares mais curiosos, reluziam à luz do sol que tocavam as pequenas gotículas de suor, que brotavam espremidas de seus poros. Seus cabelos negros e longos balançavam harmonicamente, regidos pelo remelexo de suas ancas joviais.
Enquanto isso, as duas alegres senhoras acompanhavam minunciosamente aquela cena. Seus olhares falavam de certa admiração e também de certa reprovação. Não era uma reprovação provida de julgamentos frívolos, mas uma reprovação provida de uma geração mais recatada ou até mesmo mais reprimida, pois cada caso é um caso, cada geração é uma geração.
Quais foram as imagens que lhes foram impressas em suas mentes naquele lapso temporal, naquele brevíssimo tempo? Foram minhas indagações. Quando nos indagamos, também criamos imagens em nossos pensamentos. Imagens que podem ser reais ou meras especulações de um espírito perscrutador e aguçado.
Quem sabe elas reviveram tempos indos, nos quais ainda jovens sonhavam em ser as mais belas da escola, do bairro, da cidade. Quem sabe reviveram recordações de alguma brincadeira da juventude. Quem sabe reviveram recordações de um amor pueril. Ou quem sabe reviveram recordações de uma juventude reprimida por uma sociedade, que se julgava guardiã dos bons costumes, da moral e do pudor.
Todas essas minhas indagações tiveram como fulcro as últimas palavras que lhes saíram dos lábios:
--- Mas quando que no nosso tempo a gente andava assim! Disse uma das senhoras.