PEQUENO TESOURO DE 1 SÉCULO
PEQUENO TESOURO DE 1 SÉCULO
"Tendo assim sumido as pórva / que havia contra
os ladrão, / os rato roêro as corda / e fugiro do
alçapão. / E o Ministro é que ficou / em grande
atrapaiação, / sem sabê o que fazê / e com cara
de Pai João". -- TIBÚRCIO D'ANNUNCIAÇÃO
(uma das 18 estrofes da "Cartas de um Matuto",
cordel publicado mensalmente na CARETA,
revista de variedades, de 1908 até 1960.)
"Está entre nós DUQUE, o dançarino. Esse rapaz, sem
nunca receber um só nickel da Nação, tem sido um
esforçado propagandista do Brasil (...) elle, só com as
pernas, tem feito o nosso Paiz mais conhecido em toda
a parte do que nossos diplomatas com nariz, barriga e
pernas". (trecho de crítica política na CARETA, sem data
definida, que circulou no Rio Antigo por volta de 1910.)
"Creio em Deus-Pai Todo Poderoso, criador dos céus e da Terra"... assim começava uma das Orações mais comuns nos anos 50 / 60, meio século atrás. Os diversos Céus são por minha conta, li em algum lugar que seriam 6 ou 7, acreditando eu que escritores não têm nenhum, são uma "raça" maldita.
Creio num Destino quase tão poderoso, a governar nossas vidas, meras folhas secas ao vento... numa dessas reviravoltas da existência um jovem (recém-chegado ao Rio da Bossa Nova e da TV Tupy) acabou como servente numa bela mansão no início da Lagoa Rodrigo de Freitas, ainda sem pedalinhos, detritos nem peixes podres. "Pau para toda obra", lhe sobrava algum tempo após o almoço para vasculhar a biblioteca da casa, onde conheceu livros diversos e revistas de variedades como "O Malho" e sua rival CARETA, ambas dedicadas a "massacrar" autoridades, políticos, gente importante do "grand monde" carioca -- só muito depois tachado de "high society" -- e qualquer pessoa com algum destaque na sociedade ou no Mundo dito civilizado... e que de fato o era.
O jovem tinhas nas mãos um "RETRATO" bastante colorido e divertido do início do século 20, ou melhor, do fim do século anterior. Aquele "pequeno tesouro" não poderia ficar escondido, espécie de microsarcófagos "enterrados" no "mausoléu da Inteligência" que toda biblioteca significa. "Pirâmides" da Cultura, as bibliotecas acabam por parecer apenas "cemitério" de livros e revistas onde, de vez em quando, um cristão contrito vem render homenagem a um ou outro Autor, quer "ressuscitar" por instantes algum escritor pouco conhecido.
Foi para evitar esse destino, para impedir que a MEMÓRIA do país virasse pó nos dentes das traças, que o rapaz passou a retirar meticulosamente da CARETA os cordéis "caipiras" publicados sob pseudônimo de TIBÚRCIO D'ANNUNCIAÇÃO pelo diretor (e editor?) da revista, MÁRIO BHERING que, segundo ensaio de Márcia Yumi Takeuchi (www.teses.usp.br/8/8138), era também fazendeiro E CONDE. A revista circulou no Rio Antigo, de 1908 até 1960 e seus exemplares se acham DIGITALIZADOS tanto na BN - Biblioteca Nacional quanto no site cultural... www.memoriaviva.com.br
Entretanto, as 60 ou 80 páginas destacadas da CARETA não tiveram vida tranquila. (OBS: na verdade me foram entregues 106 originais das "Cartas de um Matuto", além de 16 páginas de charadas, as "Cartas Enigmáticas".) Sobreviveram à viagem de 3 MIL km entre o Rio e Belém, em março de 1984, embaladas com discos, livros e roupas em 32 caixas de papelão, num tempo em que os CORREIOS prestavam. Resistiram às intempéries num sítio sem luz elétrica nem Rádio ou TV, a 4 ou 5 mudanças de casa, incluindo aí uma garagem e um barraco com "paredes" de zinco e até a uma "fogueira santa" que tornou cinzas quase TUDO de cultural que tínhamos, isso em julho de 2009... e eu que julgava até agora que o fato se dera em 2010 !
Por ironia do Destino, o professor (de Literatura) a quem pedi que guardasse os poemas anotou no verso do envelope plástico do SEDEX -- de um Correio que hoje detesto -- a data do recebimento do material. Mas, a devolução por êle desse pequeno tesouro foi tumultuada. Após vários contatos via email, depois de marchas e contramarchas, me vi obrigado a ir buscar o material na UFPA, universidade que me parece inoperante, quase inútil e pela qual não tenho a menor simpatia.
Enfim, tendo percorrido uns 800 metros por entre salas e prédios vazios, o protelado encontro entre o escritor ABÍLIO PACHECO (de Souza) e eu sucedeu... ganhei de presente 2 obras recentes do Autor e, êle, um muxoxo malcriado de um velho com 1 par de tênis "reciclados" menores que os pés acostumados a sandálias "de dedo".
Entre mortos e feridos salvaram-se todos e espero -- durante o ano inteiro de 2015 -- ir postando sempre que possível páginas realistas do Brasil de 2030, digo, de 1930, quem sabe, de 1830... uma Nação QUE NÃO MUDA e que Juca Chaves, no programa Jô Soares da madrugada de 15 de novembro, feriado , declarou que "para ter algum futuro precisa TROCAR DE POVO e não mudar de Governo".
O poeta Abílio Pacheco "sonha" com um novo Estado dentro do Pará... para quê, não sei! Como suprema ironia, em meio aos papéis que me trouxe está a capa de um livro de 1984 (pago com o suor do povo!), de um certo Domingos Juvenil, deputado federal na época, prova cabal de que nem sempre os livros mudam as pessoas e, estas, MUDAM o Mundo. Juvenil, que conheci como ex-prefeito de Vigia em 1985, mudou muito pouco as cidades que dirigiu, mas certamente"mudou até demais" sua própria vida. Com pessoas (e políticos) desse quilate a fundação de um Estado seria apenas a criação de um novo nome para velhos problemas. Assim caminha a Humanidade...
Essa crônica não é um tratado sobre administração do Pará, embora a cidade de Marituba, aqui ao lado, seja a prova maior de que não basta uma "mudança política". O ex-bairro de Ananindeua "emancipado" por volta de 1992 ou 95 (por um ex-prefeito com 13 processos por improbidade administrativa jamais julgados) acumula hoje os mesmos problemas e a mesma falta de segurança de 2 décadas atrás. Quando aqui cheguei em 1983 o Estado tinha 132 municípios, agora possui 144, estando previstos outros 50. Há alguma certeza de progresso real na criação deles, ou isso é mero oportunismo dos espertalhões de sempre?!
Em seu recente livro de memórias "UM DESPROPÓSITO" -- quase digo, de desgraças -- num estilo particular cheio de verbos no infinitivo (ou no futuro do pretérito, já nem sei mais!) Abílio Pacheco nos segreda "histórias pouco agradáveis de se contar". Terá que entrar na fila, "estrangeiros" narrando as vicissitudes da vivência nessa espécie de "paraíso que mais parece Inferno" surgiram lá pelos anos 1700 e tal, com as cartas do governador traído Mendonça Furtado ou com Antônio Baena e seu "Anais da Província do Grão-Pará".
Nos tempos modernos registre-se o espantoso relato da judia -- fugida dos campos de concentração e dos soldados de Hitler -- SALLY KNOPF em "Uma Mulher no Inferno Verde" ou os percalços do baiano Francisco Matos, no seu diário "Um Ca(a)tingueiro na Amazônia", que quase gerou um suicídio, tantos foram os aborrecimentos que a Editora famosa causou ao modesto autor. De minha parte, optei pela fantasia em 'QUASE NADA...", a "transrealidade" definida por Paes Loureiro, embora também narre FATOS nus e crus em crônicas acerbas e nem um pouco literárias, testemunhadas para a posteridade em meu blog "Aquelas Tardes Tristes". Quem dera que, mudando DE NOME, o Pará mudasse quase TUDO dentro dele !
Enquanto meio Brasil economiza água potável, "nós" esbanjamos de todos os modos e formas, lavando bicicletas e carros velhos, tapetes e calçadas, varandas e cachorros, "baixando a poeira" das ruas ou via caixas d'água que vazam desde a madrugada, até que um cristão da casa acorde e feche os controles. Por quase 1 ano assisti atônito a caixa d'água de antigo Centro dito Comunitário (hoje é o "politiqueiro" CRAS) perto de casa vazar dia e noite, sem que ninguém mexesse 1 dedo para encerrar o desperdício.
Centenas de idosos praticando Cooper desde a madrugada tinham que se desviar do fio d'água, bem como os que jogavam futebol, no quadra atrás da sede do Centro. Contudo, se atrasarmos 1 único mês, mesmo consumindo pouco, temos nossa água cortada sem dó nem piedade, apesar da "lei" que declara que serviços essenciais à vida do cidadão não podem sofrer esse tipo de punição. Assim caminha a Humanidade... para onde, Senhor, para onde?!
"NATO" AZEVEDO (escritor e compositor) 17/nov. 2014