Crônica de Natal( Ou A Crônica de um Natal Triste)

Crônica de Natal (Ou A Crônica de um Natal Triste)

Este texto era para versar sobre um assunto batido, o mais do mesmo de textos escritos sobre as festas que se aproximam. Sobretudo do sentimento de generosidade que desperta e que nos inunda de forma avassaladora, depois de onze meses de latência. Entretanto, acho que esta carruagem de letras irá visitar memórias recentes e tristes. Bem, ainda não tenho certeza disto.

Todo mundo fica mais bacana, compreensivo e generoso, com a proximidade do Natal, mesmo quem nunca foi. Até mesmo eu, que mantenho um desafeto explícito com atividades domésticas, lavo uma loucinha, uma vez, e nada mais do que isso, de livre e espontânea vontade, neste mês festivo. São trinta dias em que os de boa índole estão ainda mais abertos as indulgências e os de má aproveitam para darem aquela enganada, aquele famoso “migué”, fazendo-se passarem por pessoas que não são. É a época também de sacanas como eu espalharem por aí textos metidos a engraçadinhos, pretensamente inteligentes e irônicos, que tentam tirar um sarro com essas magnânimas atitudes “dezembrinas”.

Às vezes fico me perguntando, quando leem o que eu escrevo, se me acham engraçadinho, inteligente ou irônico. Sarcástico? Ou nada disso. Sei que alguns têm a certeza que sou cínico. Talvez, só os que me acham maluco tenham um pouco de razão. Só que esta crônica de hoje irá tomar outro rumo, agora tenho certeza. Deixará de ser engraçadinha ou com pretensão de mostrar a vastidão que é meu intelecto e muito menos será irônica. Será apenas verdadeira.

Para mim a festa de Natal sempre foi meio “deprê”. Apesar de eu comemorar todos os anos. Minha família sempre festejou com direito a tudo: ceia com peru, mesa colorida com frutas, aquelas nozes caras pra “caraí”, castanha do Pará, vinho, e tudo mais que se tem nestas datas.

Mas, como estava dizendo, no Natal sempre senti uma sensação de tristeza, uma melancolia pouco explicável, um aperto no peito sem propósito. No entanto, nunca foi um sentimento que se arrastasse, que pudesse me deixar macambúzio por todo o dia. Não. É sempre um sentimento intenso que se dissipa rapidamente.

Natal realmente triste, para mim e minha família, foi o do ano de dois mil e doze. Eu e dois outros irmãos, fizemos uma viagem de dois mil quilômetros, mil para ir e mil para voltar, em três dias, e ao retornarmos, no dia vinte quatro de dezembro, poucas horas da tradicional ceia familiar, tivemos que tomar uma atitude extrema e dolorosa, afinal fora para isto que viajamos, para tomarmos esta atitude extrema e dolorosa que já havia sido decidida. Eu nunca havia sentido algo tão doloroso como senti naquela véspera de Natal.

Depois do que deveria ser feito, que, enfim, foi feito, seguimos para casa de minha mãe. E lá estavam, além de minha mãe, minha esposa, minhas filhas, minha cunhada, meus sobrinhos e meu pai. Meu pai que passou vinte Natais sem dividir a mesa conosco estava lá naquela noite também.

Comemos sem muito apetite e quase em silêncio. Então, deitamos para tentar descansarmos. A fadiga acumulada de uma longa e desgastante viagem, os nervos à flor da pele, um sentimento de culpa atormentador, coisas engasgadas há anos, amalgamados numa péssima noite de sono, me fez no outro dia, dia vinte e cinco, dizer um monte de coisas que nunca deveriam ser ditas por ninguém, muito menos dirigidas a alguém, muito menos a quem foi.

A lembrança deste episódio é umas das raríssimas coisas que estragam o meu sono. Sempre dormi bem, quase não tenho insônia, aprendi já algum tempo que não adianta tentar resolver todos os problemas na hora de dormir, não adianta, só despertará a maldita insônia. Por isso me abstraio e durmo. Contudo, estes fatos acontecidos, vez ou outra vêm amargar meu sono. Azedar minha noite como uma azia na alma, como um refluxo de arrependimentos.

Não sei nem porque estou escrevendo sobre isso, apesar de eu ter omitido os detalhes, é tema muito pessoal, e as crônicas que me atrevo a escrever são sempre divertidas, falando de fatos banais e corriqueiros, por isso, eu mesmo estou surpreso por me enveredar neste tipo de assunto, e mais ainda por publicar. Pode ser que eu esteja sendo atingido por esse estranho sentimento que nos assola todos os fins de ano. Quem vai saber? O que sei é que escrever tem me tratado de certas dores, usar minha prodigiosa imaginação para inventar meus contos que não têm finais felizes tem me feito muito bem.

O Natal do ano passado foi bom, apesar da ausência de me pai, que havia partido definitivamente de nossas convivências no mês de março.

Faltando pouco mais de um mês para as confraternizações deste ano, estou tranquilo para as festas. Que venham.