Os ocultos encantos de um príncipe.
Era a primeira vez que iria falar com os pais da menina. Sabia que o sogro era uma fera, e que a sogra estava nos cascos com ele porque foram pegos em mentira. Sabia também que a união familiar se daria como fato inédito e exclusivamente por conta de sua presença. Mas tinha que passar por aquilo. A princesa era mais velha que ele, mas sua pequena estatura e jeito doce de menina não denunciavam a diferença. No entanto, a atitude decidida dela contrastava demais com a insegurança dele, tornando-o um alvo muito frágil naquele ambiente tão hostil.
Foi preparado um café para recebê-lo, pães diversos, queijo, leite, chocolate, mas sequer olhava para a mesa, tocar então era algo muito além de sua capacidade naquele momento tão cruel. A família sem entender se a recusa devia-se ao fato de estar nervoso, ou era o motivo de ser tão absurdamente magro. Calado, quase encolhido contra o azulejo, quieto, não sorria, imóvel a tal ponto que parecia quase não respirar. Onde estariam os encantos deste príncipe? Uma figura quase infantil parada ao lado da mesa se recusava até a sentar-se com a família. Por fim o fez, no entanto sem tocar em nada.
Eis que a dona da mão a ser pedida, saiu em defesa do jovem:
- Ele está assustado, veio aqui para conversar e para deixarmos de nos encontrar as escondidas.
A mãe impressionada com a passividade do menino não conseguiu conter a farpa:
- Não parece! Devo pegar meu celular para ele se comunicar? Pois ele só fica olhando e teclando o dele.
Se possível fosse, o rapaz teria engolido o aparelho, que imediatamente sumiu dentro de um bolso qualquer.
O pai lançou algumas perguntas, que acreditava fazer parte de seu script, e escutou com atenção, logo a irritação cedeu lugar a um sentimento quase que paternal, pois a impressão que se tinha, era que o rapaz em breve derramaria lágrimas pela toalha da mesa. Transcorreu a conversa sobre o trabalho dele, dificuldades que enfrentava e sobre sua família, o que pareceu deixá-lo menos assustado. Por fim reuniu toda coragem contida em seu esquálido corpinho sob um boné ostentando uma famosa marca, e comunicou uma festa em sua residência com toda família e alguns amigos. Neste momento a longa resposta que ouviu, quase o fez sumir dentro do boné. A família não permitiria, desta vez, como medida punitiva, visto terem ciência de que há semanas os amigos haviam sido convidados para o evento, sem que os pais tivessem sequer conhecimento do tal namoro.
A negativa foi explicada quase que carinhosamente pelos pais, e para surpresa destes, não houve qualquer réplica. A conversa foi encerrada com alguns sorrisos amenos, e o jovem casal pode enfim conversar com privacidade na sala. Sensação de alívio generalizada. Ele tranqüilo com o dever cumprido, ela em paz com a família, e os pais satisfeitos com a consideração que lhes achavam devida. Na despedida ficou combinado que não se veriam no dia seguinte, pois ela precisava estudar para provas e ele iria trabalhar até tarde.
Não, ela não parece buscar alguém que demonstre proteção, que a cuide, mas alguém que esteja ao lado entendendo sua luta, Não, ele não parece achar essencial ser o macho alfa, decidido e protetor, mas alguém que trilha seu próprio caminho e conta com a compreensão e apoio de quem gosta. Não seria isso o que se espera de um relacionamento? Não seria crer nas falsas expectativas que levam tantas uniões à falência ?
Talvez os contos de fadas de fato estejam ultrapassados. Com as conquistas das mulheres, com a necessidade pungente de trilharem seus próprios caminhos, o cavalo branco passa a ser sua carreira, sua vida profissional. O príncipe? Que tenha o seu próprio cavalo e fôlego para acompanhá-la.