Tarde para a história

Tarde para a história

Fizemos uma roda de conversa naquela mesa velha de madeira com dez cadeiras. Ocupamos sete delas. A cozinha apertada acomodava-nos igual um sertanejo hospitaleiro, que oferece água e bolacha, ou abstem-se de comer, mas serve as visitas. A toalha sobre a mesa tinha melancias em sua estampa, umas sobre as outras, parecendo bailar, naquele vermelho-verde sem fim. A mesa já fora palco de conversas de muitos, de variados temas, de controvérsias, em décadas de abuso de suas tábuas, porém ela aceitava todo tipo de prosa que ali se instalava, como que revelando gostar de dar base aos cotovelos apoiados para melhor falar.

Dessa vez, o ritmo da conversa enveredou por piadas que, de inocentes, sem palavrão ou sexismo, algumas vezes, ou muitas vezes, ficaram sem o eco das gargalhadas. Entretanto, como quem queria terminar um trabalho herculanano, desbravamos a tarde em histórias que parafraseavam nossas vidas e pensamentos, e quem chegava, ou quem estava de passagem, arriscava perder uns minutos de sua viagem para entreouvir lampejos de humoristas que piscavam naquela cozinha.

Piscar mesmo, nós não queríamos. E logo nós nos apressávamos a encaminhar outra história e outra história. Foram tantas falas, tantos risos, tantas falhas. E uma piada atrás da outra, numa simetria que parecia ensaiada para não cortar um fim de uma história, porém emendada para poder emendar as falas, foi-se um contador após outro, alternando-nos por vezes, ficando um sem participar de certa rodada, e conduzimos aquela apresentação como manda o figurino.

Saíram casos de Cambonge, o qual descobri se tratar de Luís de Camões. Bocage foi citado como um safadinho que só pensava naquilo. Saíram histórias de seu Lunga, de mulheres, de quengas e de freiras, de meninos e papagaios. Saíram algumas coisas publicáveis, outras nem tanto. Saíram nossas mentes a viajar, nossos rostos a sorrir, nossas vidas saíram melhores. Aquele ambiente não saiu do lugar, mas ficou parecendo de outro mundo.

E saímos felizes. Alguns de nós ainda tinham pano pra manga. Deixa pra outro dia. É melhor guardar um pouquinho de prosa para ajardinar outra tarde, outro dia, outra mesa, outras melancias.

Prof. Luís Eduardo de Almeida