Falando em Natal
A aproximação do natal tem um poder mágico de abrandar os corações, de desarmar os espíritos e as pessoas insensíveis aos problemas de seus semelhantes se tornam mais dóceis e maleáveis. E para aqueles que já se doam o ano todo, espontaneamente, é como um período para recarregar sua alma para uma nova jornada na busca de Paz, Amor e Felicidade para repartir com os menos favorecidos.
Quando eu me lembro do Natal, eu me recordo de vários fatos. Como aquele garoto que eu encontrei na Praça XV, em Ribeirão Preto, numa véspera de Natal. Ele me perguntou se eu poderia ajuda-lo a descer do ônibus que nos levaria à Estação da Mogiana, pois ele vinha muito carregado, com um saco branco muito limpo. Ali ele carregava a alimentação para a sua família. E enquanto esperávamos o coletivo ele me disse:
“Sabe, senhor Maquinista, eu sou o mais velho de 6 irmãos e minha mãe está doente. Meu pai faleceu há 4 meses. Então eu venho buscar comida em 3 hotéis. É comida limpa. São sobras de panelas e não restos. E hoje eles me deram mais coisas. Então estou muito carregado por isso, se o senhor puder me ajudar lá na estação eu ficarei muito agradecido”. E acrescentou: “Mas pode acreditar que eu sou igual aos outros meninos de minha idade, 12 anos, que sonham com o Natal. Em num dia como o de hoje armar a minha árvore ou colocando mais bolas nela. Sonhando com a minha mãe assando carnes e bolos; com uma mesa já pronta para a grande ceia de Natal. Sonho, sim. Mas nem por isso eu sou triste. Sei que Deus me reservou uma caminhada árdua e tenho que lutar pela minha mãe e pelos meus 5 irmãos. Mas sei também que Ele irá me dar forças para vencer”.
Então, vendo quanta maturidade tinha aquele garoto fiquei feliz também. Eu que estava passando mais uma véspera de Natal longe de minha Família. E o garoto ainda disse:
“Senhor Maquinista, eu moro perto da estação, em uma casa que meu pai construiu, sem água encanada, com luz emprestada, é dois cômodos. Mas já é mais do que tem estes coitados que vivem debaixo de pontes”.
Como o ônibus ainda ia demorar fomos a uma confeitaria e mandei ele escolher o pão com creme mais gostoso que ele encontrasse. Esse seria o meu presente de Natal para ele. O coletivo chegou e na estação descemos e eu o ajudei até sua casa. Abraçamo-nos e ele, com lágrimas nos olhos, me disse:
“O senhor foi o meu presente de Natal. Muito obrigado”.
Ao adentrar a estação, o vigia da noite, um caboclo forte, retaco e bombachudo, muito severo com indigentes que costumam rondar a estação, me disse:
“O Sôr sabe, seo maquinista. eu mandei aqueles “andarinos” vir passar a noite aqui na plataforma. Eles têm passe do governo do Estado e vão só amanhã para Araguari. Que diabo! Hoje é véspera de Natal e vou até em casa. Eu moro no pátio, mandar fazer uns bolinhos e uns pingados com canela e açúcar e trazer pra eles”.
Cumprimentei-o pelo gesto. E vi que também sobre ele havia atuado a Força do Natal.
Fui para meus aposentos repousar com a imagem do roliço Papai Noel e com aquela música na cabeça, que tocava na loja, à minha frente, na Praça XV:
“Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel....”
E tentando lembrar o resto da música adormeci, longe daqueles a quem mais amava, mas me sentindo feliz por ter presenciado a força do Natal em duas oportunidades.