PARA A FÉ QUE NÃO RUMINA
A fé é um abominável homem das neves que perdeu o rumo de casa. Suas pelancas de gazela servil ficam à deriva da minha razão, famintas e enchagadas de algo de mim que ainda não untei. A fé tem voz fétida, gosmenta e sumariamente escassa. Crer em algo faz enrugar as vértebras da alma com tamanha volúpia que dá até medo, dá até fuligem. A fé dá um porre nos seixos letais da nossa paixão, tira a venda dos peitos que ainda estão calados e - pode crer - faz a gente rodopiar feito sebo que guardamos atrás da nuca. A fé nos macumba com tal maestria que os santos tentam rugir por tudo que é brecha - em vão. A fé se farta dos algodões-doces desnatados que ainda virão nos embalar, sabe lá como. Sabe lá com quem.
A fé trinca nossas veias, estanca cada passo que teimamos em dar e, pasme, abre nossos úteros e nos joga desnudos nas folias bizarras do amor. A fé não desafina, mas rumina. Não descansa, mas nutre até sempre. A fé é lama gostosa, tesuda, pão dormido, roupa fedendo a suor barato. A fé se quer só, mas se tem plena. Diante dos seus galopes, eu me vejo menino, um tanto repudiado, mais ainda menino. Me vejo inteiro, um tanto esquecido, mas inteiro. Me vejo deportado, mais ainda com meus pés por aqui. Enquanto a minha fé for lânguida, não seguirei naquele adeus tardio. Nem, tampouco, naquele Deus tardio.
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